A América Latina caminha a passos largos rumo ao socialismo, tendo como principal exemplo a Venezuela de Hugo Chávez. São 15 países com governos alinhados ao Foro de São Paulo, cuja meta é resgatar na região aquilo que se perdeu no Leste Europeu. A ³revolução bolivariana² vai se alastrando pelo continente, turbinada pelos petrodólares venezuelanos. No Brasil, encontrou alguns obstáculos institucionais mais sólidos, o que não impediu algum progresso na meta socialista. Não é possível compreender corretamente o fenômeno sem levar em conta a questão cultural, a verdadeira revolução arquitetada no campo das idéias. E quando se fala em revolução cultural, o nome de Gramsci merece destaque.
Nascido na Itália em 1891, Antônio Gramsci foi um marxista intelectual membro do Partido Socialista Italiano. Gramsci era um simpatizante da revolução bolchevique de 1917, e foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Preso pelo regime fascista de Mussolini, ele começa a escrever notas na prisão que mais tarde se tornarão os Cadernos do Cárcere. O tema central presente em seus escritos será sua estratégia de tomada do poder, distinta do modelo leninista. Para Gramsci, o ³assalto ao poder² de Lênin não seria o método adequado nos países ocidentais. A estratégia gramscista de transição para o socialismo contará com aspectos mais graduais, alterando a cultura para permitir a conquista final do poder pelas classes subalternas. Esta tem sido a receita praticada na América Latina nas últimas décadas, com resultados claramente positivos do ponto de vista dos marxistas.
Fazendo sua parte na tentativa de esclarecer melhor este fenômeno, o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho escreveu o livro A Revolução Gramscista no Ocidente, que faz um didático resumo da concepção revolucionária de Gramsci. Conforme o próprio autor afirma, o objetivo do livro é tentar ³traduzir² Gramsci, decodificar seu pensamento. Esta é uma valiosa contribuição para a causa da liberdade, justamente porque a estratégia gramscista de tomada do poder parece eficaz e está em estágio avançado na região. Conhecer melhor o inimigo é fundamental para combatê-lo de forma eficiente. E quem não entender melhor a amplitude do fenômeno, que se alastra em inúmeros aspectos culturais, ficará impotente diante do avanço socialista, do ³caminho da servidão², como dizia Hayek.
Muitos preferem acreditar inclusive no óbito da ideologia socialista depois da queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Doce ilusão! O moribundo apenas recuou um pouco, fez algumas plásticas superficiais, mudou a embalagem, mas continua bastante vivo. As idéias de Gramsci serviram justamente para esta mudança tática, para a adaptação dos socialistas à nova realidade. Mas a meta continua a mesma: conquistar o poder e criar o ³novo homem² e o ³novo mundo², onde a necessidade é coisa do passado burguês, as classes desaparecem e todos vivem felizes para sempre. Pode parecer incrível para alguns que esta utopia ainda possa conquistar tantos adeptos. Mas basta um olhar mais atento em volta para constatar que isso é fato: o socialismo ainda encanta muita gente. E com os instrumentos estratégicos fornecidos por Gramsci, o perigo aumenta exponencialmente.
Como explica o general Avellar Coutinho, o conceito de ³sociedade civil² é central entre as categorias desenvolvidas por Gramsci. Trata-se de um espaço social público onde as pessoas se organizam em aparelhos voluntários privados para exercer a hegemonia. Seria ³o lugar onde as classes subalternas são chamadas a desenvolver suas convicções, a formar o consenso e a lutar por um projeto hegemônico mais avançado². Essa hegemonia, por sua vez, seria a capacidade de influência e de direção política e cultural de um grupo social. O grupo dirigente seria justamente aquele que tem a hegemonia, ou seja, ³que tem capacidade de influir e de orientar a ação política, sem uso da coerção². O que torna a estratégia gramscista tão perigosa é exatamente o fato de ela apodrecer os pilares democráticos de dentro da própria democracia, subvertendo seus valores e corroendo esses pilares.
Democracia, etimologicamente falando, quer dizer ³governo do povo². No pensamento gramsciano, a burguesia é ³não-povo². Portanto, a democracia seria o governo do proletariado e dos camponeses, excluindo os burgueses. Os gramscistas faltam em ³democracia radical² ou ³radicalismo democrático² para se referir a este modelo. Basta lembrar que o presidente Lula chegou a afirmar que na Venezuela de Chávez havia um ³excesso de democracia². Essa deturpação da idéia de democracia é útil para a causa socialista, pois eles podem falar em ³socialismo democrático², distanciando-se no imaginário popular do regime ditatorial adotado na União Soviética. Isso garante o respaldo de legalidade, evitando assim eventuais resistências e reações da sociedade.
Além disso, Gramsci defende o ³pluralismo das esquerdas², admitindo as alianças dos partidos e das organizações de massa, principalmente para enfraquecer e neutralizar as ³trincheiras² burguesas. Como explica o autor, ³ele admite até alianças com partidos adversários em certas circunstâncias que contribuam para o êxito do movimento². Esse pragmatismo, uma herança maquiavélica, ajuda a manter a imagem democrática também, em relação ao modelo de partido único dos bolcheviques. O partido, o ³moderno príncipe², realizará as transformações radicais que estabelecerão o socialismo, após a fase da luta hegemônica, que terá criado o clima adequado para a revolução, subvertendo os valores tradicionais da sociedade burguesa e condicionando toda a população para o socialismo.
Na estratégia gramscista, o papel dos intelectuais orgânicos é crucial. O novo intelectual não é apenas um orador eloqüente, mas um dirigente que orienta, influencia e conscientiza as massas. O grupo de luta deve lutar também pela assimilação e conquista ideológica dos intelectuais tradicionais. Estes terão participação consciente ou inconsciente, podendo assumir o papel de intelectual orgânico por convencimento e adesão, ou por ingenuidade, acomodação ou até por capitulação. Para Gramsci, todos os membros do partido, em todos os níveis, são intelectuais. Eles devem realizar na sociedade civil uma profunda transformação política e cultural, ³amestrando² as classes burguesas também, levando-a a aceitar as mudanças intelectuais e morais como parte de uma natural e moderna evolução da sociedade. Para tanto, eles contam com o apoio dos organismos privados, como sindicatos e organizações não-governamentais.
Será criado na sociedade um novo senso comum, que irá destruir a capacidade individual de bom senso. Alguns velhos conceitos podem ser preservados se forem ³instrumentais², bastando aprimorá-los para contribuírem também para a formação da nova mentalidade. Os meios de comunicação social (imprensa, radio e televisão) serão os principais canais de difusão do novo senso comum. Além destes, o setor editorial, a cátedra, o magistério, a expressão artística e o meio intelectual tradicional serão importantes veículos dessa transformação. Assim como a estratégia atribuída a Goebbels no nazismo, os argumentos serão repetidos ad nauseam, através de uma ³orquestração².
O sistema defensivo da burguesia deverá ser neutralizado. Entre as principais instituições alvos, estão os partidos políticos, o parlamento, a classe empresarial, a Igreja, as forças armadas, o aparelho policial e a família. Como explica o autor, ³o empreendimento de neutralização é complexo e é conduzido pelo amplo trabalho psicológico, político e ideológico que realiza o esvaziamento do moral do elemento humano das organizações burguesas, de tal modo que elas perdem o seu valor funcional e ético perante a sociedade civil². Serão utilizadas táticas como o ³denuncismo², isolamento, constrangimento e inibição, patrulhamento, penetração ideológica e infiltração de intelectuais. Trata-se de uma batalha longa, que exige paciência, mas que cria as condições necessárias para a tomada do poder.
O uso das crises a favor do movimento também faz parte das estratégias de tomada do poder. As crises econômicas não provocam imediatamente a crise institucional, mas ³permitem a difusão de certas idéias e pensamentos que se podem encaminhar para um subseqüente agravamento da crise². Como disse Roberto Campos, ³os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos². E acrescentou: ³O que não sabem é plantá-las². O fato é que os comunistas sempre exploraram as crises para expandir sua ideologia e tentar conquistar mais poder. As classes subalternas podem se apresentar como única solução institucional. O presidente Lula já usou este argumento em relação aos invasores do MST, alegando ser o único capaz de ³conversar² com o movimento. Além disso, a crise parlamentar pode representar uma oportunidade interessante de tomada do poder, pois mantém todas as aparências de fidelidade ao jogo político democrático.
O objetivo final de Gramsci é o comunismo, abolindo o Estado e as classes. O meio defendido para isso é a concentração absurda de poder no Estado ampliado. A ingenuidade de quem leva a sério este tipo de coisa é realmente espantosa. Ignoram o alerta de Lord Acton, de que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Para chegar à ³liberdade², vão antes criar uma ditadura totalitária, e esperar que os todo-poderosos simplesmente decidam abrir mão de todo este poder. Para abolir as classes, vão criar uma enorme classe privilegiada, a ³nomenklatura², e aguardar o momento em que esses privilegiados resolvam acabar com todos os privilégios. Que tipo de observador medíocre da natureza humana poderia aceitar tais premissas? Não é à toa que o comunismo parece uma nova religião, dependente da fé acima da lógica. Um ³paraíso² terrestre é oferecido, prometendo o fim das necessidades, enquanto os intermediários demandam mais que o dízimo: a submissão completa do indivíduo!
Ao término do livro, o general Avellar Coutinho oferece alguns sinais do avanço da estratégia gramscista no Brasil, que não podem fugir aos olhares mais atentos. Os mais jovens não notam a mudança cultural porque não conheceram os valores antigos, e os mais velhos encaram as modificações como ³naturais² ou ³espontâneas², ignorando a ³penetração cultural² bem conduzida pelos intelectuais orgânicos. Em primeiro lugar, temos o conceito de ³politicamente correto², que passou a dominar qualquer debate e ofuscar a livre opinião ou independência intelectual. Trata-se de ³socialização² da opinião, e o patrulhamento ideológico é uma poderosa arma nesse sentido. Além disso, o conceito de legalidade está sendo substituído pelo de ³legitimidade², esvaziando as normas e leis em troca das ³reivindicações justas². Invadir terras ou saquear estabelecimentos passam a ser atos ³legítimos², pois representam um passo na luta pela ³justiça social².
Existem outros exemplos, como o ataque aos valores familiares tradicionais, o uso manipulado da questão racial para negar a tolerância multirracial burguesa, o uso dos ³direitos humanos² como proteção ao criminoso, identificado como vítima da ³sociedade burguesa², enquanto a vítima real é tratada com indiferença por ser identificada geralmente como burguês privilegiado, a ³satanização² do ³bandido de colarinho branco², identificado como burguês corrupto e fraudador do povo, a utilização da ³opinião pública² como critério de verdade maior que a própria lógica, o uso da ecologia como projeto superior ao desenvolvimento econômico ou mesmo o eco-terrorismo para atacar o progresso capitalista, etc.
Em suma, o projeto de conquista do poder pelos comunistas, calcados nas contribuições de Gramsci, parece estar em um estágio bem avançado na América Latina. Hugo Chávez, Rafael Correa, Evo Morales, e tantos outros governantes vão conquistando cada vez mais poder. Mesmo o governo Lula conseguiu avanços nessa direção, sem falar das tentativas fracassadas como o Ancinav, Conselho Nacional de Jornalismo, etc. O próprio Lula teria dito que dirige um Fusca enquanto Chávez dirige uma Ferrari rumo ao socialismo. Mas a meta é a mesma. O pior é que, por se tratar de uma verdadeira revolução cultural, suas raízes são profundas, e dificilmente serão revertidas rapidamente. A luta pela liberdade será árdua. Mas algo precisa ser feito. Como teria dito Confúcio, ³é melhor acender uma pequena vela do que praguejar contra a escuridão²
Excelente artigo. Uma visão esclarecedora dos acontecimentos atuais, apenas faltou acrescentar movimentos semelhantes que acontecem na maior economia do mundo os EUA, de Barak Obama. Espera-se que muitas velas se acendam neste país, afim de mudar os rumos atuais, para uma verdadeira economia de mercado.
Excelente artigo !!! Parabéns !!!!
Perfeito o artigo. Tá na hora dos liberais abrirem os olhos para o que mais importa.
Excelente e estarrecedor. Tempos de desafio. Rodrigo, ler voce e’ um balsamo, escreve como poucos, parabens!
Muito proveitoso, porém questionável. Uma batalha travada pelo Gal. Avellar Coutinho contra a ideia socialista focada em contrapor teses de um pensador socialista (Antônio Gramsci)é extremista porque critica só as transformações o ocorridas na América do Sul projetando uma incapacidade humana de reação. Lembro que a ONU pressiona as nações a obterem melhores índices sociais dando fortes indícios de que o sistema voltado ao capital não tem sido capaz de atingir estes objetivos. Vários trechos do artigo me instigam a pensar se muitos dos recursos atribuídos aos comunistas não seriam justamente aqueles que o Regime Militar utilizou em nosso País espalhando terror e quebrando a nossa democracia, unica e exclusivamente para manter as classes burguesas dominantes do nosso País apoiado por Países que olhavam o Brasil como mercado operário.
Gramsc é marxiano e não marxista rs
Ótimo texto, em resumo toda a estratégia comunista… isso falado em 2009…hj de maneira mais clara e evidente é possível ver esse cenário avançando em nossa sociedade… excelente reflexão!