Até os patos que nadam nos lagos plácidos defronte aos palácios de Brasília sabiam que Henrique Pizzolato evitaria cumprir a pena de 12 anos e 7 meses de cadeia que lhe cabe no processo do mensalão por ter autorizado repasse de R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil, do qual era diretor de Marketing, para a compra de votos de parlamentares para apoiarem o governo. Afinal, no ano passado ele já tinha saído de circulação havia três meses quando o ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel deu conta de seu sumiço e ele foi localizado na Itália. Em setembro de 2012, contudo, ele voltou a viver com a mulher no apartamento que comprara em Copacabana, do qual partiu há um mês e meio novamente rumo à Itália.
Então, ele já estava condenado quando deixou o país de carro, atravessando a fronteira paraguaia sem seus passaportes brasileiro e italiano. Em seguida teria ido para Buenos Aires, onde, com um sucedâneo do passaporte europeu que não entregou, embarcou sem empecilhos para Roma. Como é público e notório, a vigilância das fronteiras terrestres do Brasil – pelas quais passam sem problemas drogas e armas, além de contrabando de outros tipos, de cigarros baratos a bebidas finas – é uma ficção de terror na qual só um brasileiro com mais de 12 anos de idade acredita que existe: a presidente Dilma Rousseff. Ora, direis, leitores atentos, que uma vigilância rotineira feita por equipes de um agente por turno estaria apta a informar à Polícia Federal (PF) o paradeiro de um réu condenado em última instância. Mas a autoridade encarregada de apreender seus documentos não agiu de maneira eficiente e diligente.
Depois de ter interpretado cenas dignas de serem protagonizadas pelo inspetor Clouseau em “A Pantera Cor de Rosa”, com a busca em dois endereços e a espera da apresentação do condenado, a PF contentou-se em pedir ajuda à Interpol para cumprir o único mandado de prisão decretado pelo STF não executado no simbólico 124º aniversário da República.
Nada indica que uma eventual intervenção da Interpol trará o bancário petista de volta à pátria para cumprir a pena que ficou devendo aqui. Um antecessor célebre dele, o banqueiro Salvatore Cacciola, só foi preso e extraditado por ter cometido o erro de sair da Itália para passar uma temporada no Principado do Mônaco. Ali foi preso e, extraditado, aqui cumpriu pena. Pizzolato não é idiota a ponto de repetir o erro. E a Itália, além de não firmar acordos de extradição, não tem nenhum motivo para atender excepcionalmente ao pedido de um país que difamou seu sistema judiciário ao soltar o assassino Cesare Battisti a pretexto de não ter ele recebido dela julgamento justo.
Mesmo não sendo um companheiro de escola como Dirceu ou Genoino, mas apenas um tarefeiro de Luiz Gushiken, inocentado por unanimidade no Supremo Tribunal Federal (STF), com direito a elogios do revisor do processo, Ricardo Lewandowski, Pizzolato não deve ser um alvo que o ministro petista da Justiça considere prioritário para algemar e prender. O melhor que lhe pode acontecer no belo país de suas origens familiares é ele gozar de merecido e conveniente ostracismo sem que a memória de seus malfeitos de alguma forma prejudique os interesses dos correligionários de se manterem no poder com a reeleição de Dilma Rousseff. Aliás, não há muito mais a fazer a não ser deixar o tempo passar. Afinal, não será fácil achar base jurídica para uma troca com os italianos do bancário corrupto pelo sanguinário revolucionário Battisti.
Mas não seria má ideia uma barganha com os italianos em que os “neoaliados” Fernando Collor e Paulo Maluf entregassem Battisti em Roma a Berlusconi, recebendo Pizzolato em troca. O brasileiro pode até ter os dedos manchados de verde pela tinta dos dólares que desviou, mas não de sangue de inocentes, caso do italiano.
De qualquer maneira, a ausência do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil entre os presos do Dia da República serviu para tornar mais eloquente o silêncio dessa instituição ante a fraude do funcionário que conspurcou seus mais de dois séculos de credibilidade com sua ação. O contencioso representado pelo desvio de recursos de uma empresa de propriedade do distinto público para os cofres de um partido político (o que foi contado em juízo pelo réu fujão) não mereceu sequer um pedido de desculpas de sua diretoria. Nem uma reclamação de sindicatos de bancários ou de entidades que representam os interesses dos lesados, acionistas minoritários ou mesmo contribuintes comuns reunidos pelo pomposo coletivo povo brasileiro.
Ao que parece, o selo nos lábios do único condenado que escapou ao cumprimento de pena deixando o território nacional à sombra da dupla nacionalidade não interessa apenas aos que eventualmente tenham participado do escândalo de corrupção, mas escaparam ilesos da execração pública e da condenação do STF. Os responsáveis pela facilitação da fuga do bancário petista – policiais ou seus superiores hierárquicos – parecem desfrutar impunidade similar à que ele obteve ao cruzar a fronteira com o Paraguai, protegidos pela cumplicidade dos altos escalões federais, que parecem mais empenhados em dar desculpas amarelas do que em cobrar responsabilidades. Até agora não se tem conhecimento de ao menos uma recriminação pública da chefe do governo ao seu ministro a que a Polícia Federal é subordinada.
Urge, enfim, destacar que a prisão dos outros condenados só ocorreu mercê da intransigência, nem sempre cortês ou educada, do relator do mensalão e também presidente do Supremo. Sem ela, dificilmente ocorreria. Se prevalecessem as “chicanas” e as “manipulações” de praxe, o cidadão brasileiro não seria confortado com a evidência de que nesta democracia todos devem mesmo ser tornados iguais pela lei.
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