Estou chegando da missa de sétimo dia da mãe de uma querida amiga. Na prece dos fiéis, fomos convidados a rezar pelos “movimentos sociais”. Aquela oração, perante cujo enunciado, obviamente, fiquei calado, me fez lembrar foto publicada na edição de Zero Hora de poucos dias atrás, mais precisamente, em 7 deste mês: um grupo de estudantes, de pé, sobre as mesas de uma sala de reunião, num centro de eventos de Porto Alegre, exibia-se em atitude que tanto podia corresponder a um protesto quanto a um concurso de requebros. “Que diabo seria aquilo?” – eu me havia indagado ao observar a imagem. A matéria esclarecia. Os jovens expressavam sua inconformidade com o esboço do Plano de Carreira do Magistério Público Estadual. Entenda leitor: era mais ou menos como se os auxiliares de enfermagem estivessem descontentes com alguma questão corporativa do hospital e os pacientes saíssem dos leitos para sapatear na mesa do diretor.
Nelson Rodrigues, em O Globo do dia 28 de março de 1970, publicou artigo abordando um fenômeno já então em curso e que ele denominou “a socialização do idiota” (anos depois, Olavo de Carvalho esmiuçaria brilhantemente o mesmo tema em “O imbecil coletivo”). Lá pelas tantas, o maior de todos os Nelson escreve assim: “Vocês se lembram das greves estudantis da França? (ele se referia ao que ocorrera a partir de Nanterre, em maio de 1968, o tal ‘ano que não terminou’). Os jovens idiotas viravam carros, arrancavam paralelepípedos e incendiavam a Bolsa. E, então, o velho De Gaulle falou aos idiotas. – ‘Eu sou a Revolução.’ Que ele fosse a Revolução era o de menos. O que realmente enfureceu o mundo foi o eu. Era alguém que queria ser alguém. Um dos maiores jornalistas franceses escreveu furibundo artigo contra aquele espantoso orgulho. Aquele guerreiro de esporas rutilantes e penacho negro foi o último eu francês. Os outros franceses são massas, assembléias, comícios, maiorias.”
Os tais movimentos sociais, orçamentos participativos, audiências públicas e assemelhados são expressão dessa mesma coisa quarenta mais tarde, por obra e graça dos projetos ideológicos e da ambição petista pelo poder. O PT, desde cedo, compreendeu as imensas possibilidades abertas pela socialização dos idiotas. Um idiota sozinho é um sujeito ridículo. Um parvo. Um imbecil solitário. Já um ônibus cheio de idiotas, ou uma passeata deles se transforma em expressão da sociedade. Eleva-se à categoria de povo e – imensa vantagem! – se torna inimputável. – “Como assim, inimputável?” perguntará o leitor. Sim, o idiota socializado se ergue à condição de índio ou de criança, podendo meter-se em qualquer encrenca e cometer a maior tropelia sem que precise responder pelo que fizer. Há sempre uma legião de jornalistas para concordar e raros membros do Ministério Público e do Poder Judiciário para discordar.
Vivemos o exílio da individualidade. Os únicos indivíduos existentes no Brasil, hoje, para todos os efeitos, são Lula, Daniel Dantas, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes. A presença de Lula nessa lista é algo que o PT, como partido dos tais coletivos, tira de letra: trata-se de imposição da realidade socializar a idiotice e promover o culto da individualidade do líder. Stalin e Mao Zedong já o demonstraram há muito tempo.
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