Apesar de vários embates, aprovou-se o piso salarial dos profissionais de enfermagem. Se fosse em outro país, poderia avaliar tal medida como ingênua, mas, em se tratando de Brasil, é apenas mais uma medida populista imposta pela classe política que convence a população com um “conto do vigário”. Olhando o “copo meio cheio”, soa honesta a visão moral de quem revoga um PL como esse com suposta intenção de valorizar o grupo de enfermeiros, mas a visão do “copo meio vazio” evoca a falta de capacidade de lidar com dinheiro público e a desonestidade – saber que a decisão tomada irá gerar desemprego e iludir 2,5 milhões de profissionais pensando que com uma canetada salvará a defasagem salarial do setor de saúde.
A realidade é que há uma discrepância ao analisar o piso salarial dos profissionais dessa categoria e nossos parlamentares interpretam como um tipo de preconceito ou discriminação com os enfermeiros e agentes da saúde, o que na realidade não é uma verdade. A questão da precarização salarial dos profissionais da enfermagem se dá pelo fato de 77% desses profissionais terem baixa instrução profissional, ou seja, não terem curso superior. Há uma precariedade de mão de obra qualificada para exercer tais funções. Apenas 23% são “enfermeiros de verdade”- enfermeiros graduados. Estados como o Rio de Janeiro reúnem 80,9% técnicos e auxiliares e 19,1% de enfermeiros.
Tanto o mercado quanto os órgãos públicos pagam profissionais de acordo com as atribuições curriculares dos profissionais que se tem em mãos – não faz sentido pagar um alto valor salarial se um determinado colaborador produz abaixo dos demais profissionais da mesma categoria. Apesar de ser uma atrocidade comparando o piso salarial de trabalhadores do setor privado, vemos editais salariais para “enfermeiros graduados” na UH USP com remuneração de R$4.923,45 e empresas privadas como a UNIMED, onde a faixa salarial varia entre R$3.000 a R$3.601 mensal, ou no Complexo Hospitalar J.SL, em que o salario está na média de R$3.0001 e R$4.000.
O que essas vagas com um bom padrão de remuneração têm em comum? Todas procuram por profissionais já graduados, pessoas que potencializaram sua mão de obra. E fica a dica: o salário detém o mérito e capital intelectual, não por piso mínimo. Observou-se que todas essas vagas já pagam acima ou dentro do que seria o tal piso mínimo salarial. Talvez o estudo sobre a baixa satisfação do setor não pontou a questão do fato de 77% dos profissionais não terem um curso superior e, com isso, haver um excesso de mão de obra defasada para exigir tais garantias.
O problema em definir um limite salarial em base
Um projeto de lei como esse gera desemprego para os profissionais da área que não conseguem produzir essa quantia de salário determinada pelo piso. Empresas que produzem menos e por isso contratam profissionais com o valor salarial que cabe dentro de seu orçamento, no mínimo, demitiriam esses profissionais que ganham abaixo do piso, pois não faz sentido ter alguém que produza menos e não se possa pagar menos por essas condições.
Para se ter uma noção, um funcionário no Brasil custa em média 73,33% a mais do que o salário bruto. Fora esse novo ajuste de R$4.750, as empresas teriam que pagar R$3.483 a mais para cada enfermeiro. No final, cada colaborador custaria, em média, R$8.223,17. Para você ter uma ideia, esse mesmo custo nos EUA é de 13,69% sobre a folha de pagamento. Essa mesma remuneração custaria R$5.400
Sim, o Brasil ter grandes encargos trabalhistas é o principal fator de empresas pagarem menos por profissional. Existe um grande número de encargos por trás dos salários contratados.
Quando os níveis de remuneração não são determinados pela oferta e demanda em um mercado livre, mas por leis de salário mínimo, isso pode acarretar em custo negativo para determinado setor.
Um índice salarial acima de onde estaria pela lei de oferta e demanda em um mercado onde as empresas têm autonomia de competir e decidir livremente tende a ter pelo menos duas consequências:
1) Aumento do número de candidatos devido a remuneração mais alta;
2) Diminuição do número de contratados devido ao custo mais alto do trabalho.
Nessa situação, estudantes, recém formados e até quem já está inserido no mercado seria severamente afetado pois contaria tempo de experiência, equalizar o tempo de trabalho produzido com profissionais que estão há bastante tempo no mercado; competir com profissionais Sênior e Pleno. Aumento da carga horária e responsabilidade de profissionais já graduados, empresas reforçariam que seus profissionais com mais experiência cobrissem mais setores e com isso, custos com a diminuição da qualidade de vida e eficácia no serviço prestado.
Como explica Thomas Sowell: “A transação acontece mais fácil quando ela atende as demandas de 2 partes, 1º empregador e 2º empregado. Se o empregado analisa o salário e carga horária oferecidos e acha que são vantajosos, não faz sentido a participação de um 3º nessa negociação. Quando um terceiro ator, no caso, o estado, decide ou não o valor salarial que você está apto a receber, esse terceiro ator fere o grau de liberdade de escolha e causaria um debandada demissional em massa. Pessoas que produzem abaixo do piso mínimo definido provavelmente seriam excluídas em processos seletivos e teriam dificuldade em ser contratadas.
O malabarismo por trás da aprovação da medida
A realidade é que o governo não tem recursos para suprir tal medida. Em ano eleitoral, o que vale é a narrativa. Ainda há debates sobre como pagar o aumento salarial. O próprio presidente da república disse que não aprova tal medida enquanto não houver fontes de custeio. Os parlamentares estavam discutindo desonerar a folha de pagamentos para suprir o projeto, sabendo que a dívida tributária dos hospitais privados com a União é impagável. Somando as dívidas tributárias com a receita federal e a dívida ativa com a procuradoria geral da União, o déficit está em torno de R$68 bilhões – somente dos hospitais privados. É uma dívida impagável e o governo federal cobriria mais um custo de um setor que não se mantém.
Outra questão preocupante é a baixa maturidade do Brasil em relação à responsabilidade e fidelidade ao teto de gastos. O real problema é como incluir R$16 bilhões na conta do Governo Federal sem enquadrá-los na despesa primária, dentro do teto de gastos, o que poderia extrapolá-lo e gerar problemas para a União.
É absurdo que um texto como este não aponte uma fonte de investimento para o custeio, para os municípios a despesa anual seria de R$9,4 bilhões. Os prefeitos têm questionado se os custos se dividem entre União, estados e municípios. E os principais afetados seria a população, pois as prefeituras teriam dificuldades para bancar os novos valores, de hospitais privados e Santas Casas de Misericórdia.
Todas as soluções para fontes de recursos foram de medidas imaginárias, textos que ainda nem foram aprovados – como a proposta do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que citou entre as possíveis fontes futuras de receita os impostos arrecadados com a eventual legalização dos cassinos no Brasil, tema ainda em debate pelo Congresso Nacional. Ou a do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de retomar a discussão no Senado da reforma do imposto de renda, com a aprovação da tributação de lucros e dividendos, isentos de impostos do Brasil de 1995.
Todas as respostas são ganhos de arrecadação com a simplificação da legislação atual e o valor arrecadado utilizar para suprir um gasto. Resumidamente, um tremendo “tapa-buraco”. O Brasil não é para amadores.
Considerações finais
Por mais que se tenha mudado a origem do texto para uma PEC de lei federal com intuito de pressionar para que os recursos para o pagamento venham da União, evitando a possibilidade de vícios de iniciativa do projeto, provavelmente tanto o executivo quanto players da iniciativa privada dificilmente poderão cobrir tais custos. Há caso de ministro que revogou aumento para magistrados e ao se eleger não cumpriu a promessa.
A realidade é que a categoria é mal representada pelos seus sindicatos, que são poucos eficazes nas negociações entre hospitais e empregados e jogam a pressão para os parlamentares, que caem nessa armadilha na pretensão de votos. É um dos calos da democracia.
Como já disse Jacquess Rueff:“
“A maioria dos políticos acredita que cumpre seu dever e melhora o bem-estar da população ao lançar mão de medidas que resultam no exato oposto do que imaginam”.
Esse tipo de lei não pega. Olha o caso dos engenheiros: o piso é de R$ 7.272,00 (seis horas diárias), e 10.908,00 (oito horas). Esse salário é impraticável para quem é recém formado e baixo demais para quem é experiente (preferem trabalhar como terceirizados nesse caso). É o momento onde as empresas procuram brechas trabalhistas, muitos engenheiros são contratados como Analistas para não receber o piso. Esse tipo de lei não consegue passar à frente das leis do mercado. Resultado: as empresas fingem que pagam bem, os profissionais aceitam os salários que são oferecidos e fica por isso mesmo. É isso ou seguir outra carreira.
Como citado acima, há falta de incentivo para empresas investirem nesse setor. Já os municípios são reféns de excesso de cargos comissionados e auxílio do Estado e da União. O problema da saúde no Brasil não é apenas financiamento, mas também gestão dos recursos. “Não há gestão qualificada. Há fraude, há corrupção. Isso precisa ser resolvido e se resolve com um gerenciamento competente e também com um financiamento adequado”.