A diminuição do poder orçamentário do Executivo traz riscos para a sustentabilidade fiscal. Em tese, um controle maior sobre o Orçamento poderia induzir os parlamentares a ter maior interesse em sua sustentabilidade devido às implicações para sua sobrevivência eleitoral. No entanto
o cenário potencial é de “tragédia dos comuns” fiscal, situação em que atores racionais causam a exaustão de um recurso comum de livre acesso e demanda irrestrita.
A estrutura de incentivos de parlamentares leva-os a serem agentes da irresponsabilidade fiscal porque o imperativo de sua sobrevivência eleitoral tende a gerar demandas crescentes e insustentáveis
sobre o Orçamento: eles apropriam-se dos benefícios concentrados de suas ações, mas não incorrem nos seus custos difusos (ex. inflação).
A estrutura de incentivos dos presidentes é diferente: eles têm incentivos para internalizar os custos fiscais, pois, ao contrário de parlamentares, são punidos eleitoralmente pela inflação e pelo desempenho da economia.
Há dois modelos globais de relações Executivo-Legislativo na área orçamentária. Em um extremo, temos os casos de Inglaterra, França e Canadá, em que o Poder Executivo domina o Orçamento. Seus escores no índice de instituições orçamentárias legislativas, de Joachim Wehner, vão de 20 a 23, (cf. Assessing the power of the purse: an index of legislative budget institutions). O Brasil adotou esse modelo: a extensa delegação de poderes ao Executivo entre nós teve lugar em 1988.
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No segundo modelo, que caracteriza os casos de EUA (escore de 89), Suécia e Holanda, o protagonismo é do próprio Legislativo, e a coordenação está a cargo dos partidos políticos e comissões congressuais fortíssimas. Partidos políticos disciplinados podem alinhar interesses distintos de parlamentares e governos. Eles têm uma “marca”, o que os leva a cultivar uma reputação de longo prazo.
Sendo assim, a visão de interesses irreconciliáveis entre Executivo e Legislativo é descabida: ambos têm incentivos (ainda que assimétricos) para resolver o problema da tragédia dos comuns, embora isso não garanta sucesso em fazê-lo.
A transição de um equilíbrio baseado em presidentes fortes e Parlamento fraco para um baseado em Executivos fracos e Parlamento forte representa uma ruptura com o padrão vigente nos últimos 30 anos entre nós.
Há, portanto, dois equilíbrios possíveis, para o que contribuem muitas outras variáveis como a regra eleitoral, financiamento de campanha, sistema partidário, organização do Congresso. São equilíbrios globais, e assim a transição exige longo processo de adaptações em várias margens. O risco é ficarmos no meio do caminho.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 17/2/2020