Para abordar o tema do texto de hoje, parte da minha série de artigos sobre a necessidade de reformar a Previdência Social no Brasil, vou me valer de duas citações de dois dos políticos brasileiros mais importantes da pós-redemocratização. A primeira é de Ulysses Guimarães, que dizia que “há ocasiões em que não basta fazer o que se pode; tem-se que fazer o que é preciso”. A segunda, especificamente sobre o tema deste artigo, é do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que certa vez fez esta interessante análise: “Maquiavel dizia que os problemas políticos, em seu início, são difíceis de ser percebidos e fáceis de resolver, ao passo que, quando se torna fácil percebê-los, já então é difícil resolvê-los. O dito se aplica ao problema previdenciário no Brasil.” A frase não poderia ser mais precisa.
O que se espera dos verdadeiros líderes políticos é que eles apontem o caminho pelo qual o país deve transitar, mesmo que às vezes isso implique mudar a opinião que a população faz acerca de algum tema. Na Inglaterra, ficou famosa a frase de Margaret Thatcher de que “consenso é a negação da liderança”. E, aqui no Brasil, Fernando Henrique Cardoso liderou uma agenda de modernização do país – fim dos monopólios estatais no petróleo e nas comunicações, reforma do Estado, Proer, Lei de Responsabilidade Fiscal, ajuste fiscal etc. -enfrentando a oposição feroz do PT e, em alguns casos, de parte expressiva da opinião pública, modernização essa cujos efeitos positivos se fazem sentir até agora.
Está na hora de a liderança política do Brasil propor uma agenda previdenciária, sem o que o caminho para a prosperidade das gerações futuras será certamente mais difícil. Como ingredientes dessa possível agenda, defendi aqui em artigos anteriores, além de uma revisão da política de reajustes do salário mínimo – a partir de 2015, o que porém não impede aprovar a medida antes -, a adoção de uma regra dura de aposentadoria para os chamados “novos entrantes” no mercado de trabalho, moldada para as condições demográficas e a maior expectativa de vida previstas para a altura de meados do século atual.
No artigo de hoje, quero defender um outro ponto dessa agenda: a aprovação de uma regra de transição das condições de aposentadoria para aqueles que já estão no mercado de trabalho. Vez por outra, algum político desavisado, querendo se mostrar atento à necessidade de reformas, mas sem querer correr qualquer risco de perda de popularidade, aparece com o seguinte chavão: “Precisamos adotar uma regra para a aposentadoria, mas só para os novos trabalhadores, pois não devemos sacrificar aqueles que já se encontram no mercado de trabalho.” Sob a auréola do “politicamente correto”, a frase é na verdade uma tremenda tolice, pois implica tratar da mesma forma um jovem recém-saído da adolescência no seu primeiro emprego e um senhor que depois de 34 anos e 11 meses de contribuição está a ponto de se aposentar.
Para entender melhor a natureza da questão, é útil dividir a sociedade em três grupos. O primeiro é o dos idosos. A este a reforma da Previdência não se aplica, pois o respeito ao direito adquirido é algo sagrado e nada vai mudar para eles. O segundo é o outro extremo da distribuição etária: as crianças e os adolescentes. Estes ainda não assinaram o “contrato social”, não estão ainda sujeitos a uma regra e portanto não há entrave algum em mudar a regra para eles. O problema político da reforma da Previdência está em como lidar com o terceiro grupo social: aqueles que já estão na ativa e ainda não se aposentaram. O segredo para este grupo é tratar desigualmente os desiguais e implementar uma transição que implique ter uma regra tão mais próxima da regra futura quanto mais jovem for a pessoa e tão mais próxima da regra atual quanto maior tiver sido o tempo de contribuição prévio do indivíduo. Assim, quem tiver ingressado há pouco tempo no mercado de trabalho teria que ter um tempo de contribuição muito similar ao que será exigido, pela nova regra, de quem ainda não ingressou no mercado; e quem estiver perto de se aposentar teria que trabalhar apenas poucos meses a mais. Trata-se de uma transição suave, perfeitamente defensável e que pode ser compreendida por todos. Vale a pena explorar a ideia.
Fonte: O Globo, 24/03/2012
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