O vento sopra contra a Operação Lava Jato. Primeiro, a Segunda Turma do STF libertou José Dirceu. Depois, o TSE ignorou as provas e declarou não haver motivo para impugnar a chapa que elegeu Dilma Rousseff e Michel Temer. Em seguida, o ministro Marco Aurélio Mello manteve Aécio Neves no Senado, apesar de ele ter sido flagrado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista. O ministro Edson Fachin, também do STF, mandou soltar o ex-deputado Rodrigo Loures, acusado de carregar uma mala de dinheiro para Temer. Mesmo ao validar a delação da JBS, o plenário do Supremo ampliou a possibilidade de anulação de delações premiadas, sob o termo genérico das “ilegalidades”. Por fim, até o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que costuma referendar as decisões do juiz Sergio Moro, inocentou o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, num caso em que ele fora condenado com base em delações. Jornais que antes aplaudiam a ação de Moro e da força-tarefa da Lava Jato hoje criticam, como o ministro do STF Gilmar Mendes, “as alongadas prisões de Curitiba”. Acusam veladamente o procurador-geral Rodrigo Janot de proferir denúncias com base em preferências partidárias. Defendem o “direito dos réus”, falam em “estado de exceção”, “jacobinismo” e, numa referência insólita ao Terror da Revolução Francesa, exigem um “Termidor” – o fim da guilhotina que paira sobre a cabeça dos políticos.
Verdade que estão na cadeia empreiteiros como Marcelo Odebrecht, políticos como Eduardo Cunha, Antonio Palocci e, agora, Geddel Vieira Lima. Mas é inegável que a Lava Jato vive um refluxo. Certa apatia tomou conta da população, antes disposta a ir às ruas ao primeiro grito nas redes sociais. Vislumbra-se um risco crescente de que o Brasil passe por uma decepção semelhante à que a Itália viveu depois da Operação Mãos Limpas, nos anos 1990. Lá, as tensões entre a classe política e o Judiciário, amplificadas pela figura singular do ex-premiê Silvio Berlusconi, destruíram os partidos políticos tradicionais — mas acabaram por ter um resultado oposto ao desejado. “A Itália pode ser vista como um modelo da falha dos mecanismos institucionais ordinários para controlar a corrupção numa democracia avançada”, escreveu o cientista político Alberto Vannucci, da Universidade de Pisa. Num estudo de 2009, ele verificou que a proporção dos italianos que colocavam a corrupção entre os dois maiores problemas do país caiu de 92%, em 1996, para 5,5%, em 2001. Depois de 2008, apenas 0,2% a situavam em primeiro lugar. Simultaneamente, as condenações por corrupção caíram do pico de 1.714, em 1996, para 239, em 2006. Jornais passaram a noticiar menos casos, embora a percepção de corrupção tenha crescido.
Desde o início, os políticos italianos pressionaram pela aprovação de leis que dificultassem a ação da Justiça. Até 2001, apenas uma foi aprovada. Assim que Berlusconi voltou ao poder, uma enxurrada legal, sob medida para ele, aumentou a impunidade e as oportunidades para os corruptos. A escala da reação na Itália é inimaginável para quem vive num país onde a classe política só sabotou as medidas contra a corrupção defendidas pelo Ministério Público (MP) e tem levado adiante a nova lei contra o abuso de autoridades. Para combater Berlusconi, o procurador-símbolo da Mãos Limpas entrou na política, carregando a bandeira dos valores morais.“A ‘questão moral’ foi marginalizada ao se tornar a marca de um partido menor, Italia dei Valori (Itália dos Valores, IdV), liderado pelo ex-procurador Antonio Di Pietro, que começara os inquéritos da Mãos Limpas”, diz Vanucci.
A história de Di Pietro é narrada em dois livros do jornalista italiano Alberico Giostra: “Il tribuno”, de 2009, e “Di Pietro ultimo atto”, de 2013. Não é uma visão simpática a ele — e costuma ser contestada por seus partidários mais fervorosos. Mas há fatos inequívocos. Em vez de liderar um movimento contra Berlusconi e de sanear a política italiana, Di Pietro foi hesitante nas alianças políticas, centralizador e despótico no partido. Escândalos atingiram o IdV e ele próprio. Esmagado nas urnas, fora da liderança, se revelou incapaz de aglutinar a maré antipolítica, que migrou para Beppe Grillo e seu Movimento Cinco Estrelas. A tragédia de Di Pietro ensina uma dupla lição ao “Partido da Justiça” que ensaia se formar em torno das bandeiras da Lava Jato. Primeira: não há escapatória, o fim da corrupção é um projeto político. Como tal, não pode ser conduzido de dentro do Judiciário ou do MP. Precisa de sustentação partidária ou então naufraga num Parlamento cioso de defender privilégios. Segunda: se decidirem entrar na política, Moro e companhia precisam estar preparados para as regras da política. Ou recairão nas mesmas mazelas que hoje dizem combater. Quem estudou a história até o fim sabe que Termidor não acaba bem.
Fonte: “Época”, 09/07/2017.
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