Os estudantes e sindicalistas de extrema esquerda que se rebelaram contra a presença da Polícia Militar (PM) no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), sem querer, e o reitor da instituição, João Grandino Rodas, no pleno e voluntário exercício da autoridade de que foi investido, estão fazendo história.
O episódio é notório e recente, mas convém resumi-lo para a argumentação ficar clara: em maio, no ápice de estupros, assaltos relâmpago e outras atitudes violentas de bandidos que se aproveitavam da falta de policiamento nos espaços vazios da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, um estudante foi morto num assalto. A direção da universidade houve por bem firmar convênio com a PM para substituir com soldados fardados da corporação os poucos e desarmados agentes de segurança própria. Ruminando seu ódio contra a presença de agentes da lei num território que consideram, se não fora, no mínimo, além da lei, funcionários, docentes e estudantes filiados a grupos de extrema esquerda encontraram num caso isolado motivo suficiente para armar um fuzuê e tentar forçar a saída dos policiais de uma área pública da qual se acham donos. Três alunos foram flagrados fumando maconha e isso deu origem à ocupação de um prédio administrativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), invasão depois estendida à Reitoria. Expulsos pela PM cumprindo ordem judicial, os invasores foram levados à delegacia e libertados sob fiança.
Na semana passada, o professor de Filosofia Contemporânea Carlos Alberto Ribeiro de Moura reprovou por faltas 60 alunos que não compareceram ao número regulamentar de aulas para engrossarem o coro dos rebeldes descontentes na greve de novembro. E, pela primeira vez em dez anos, a USP expulsou seis alunos que, sob idêntico pretexto de protesto, ocuparam salas da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas) dizendo reivindicar melhoria nas condições de moradia e aumento do número de vagas no Conjunto Residencial da USP (Crusp), na mesma Cidade Universitária, no ano passado. Tanto em 2010 como no mês passado, os pretensos rebeldes quebraram computadores, destruíram prontuários e depredaram os prédios invadidos, construídos e mantidos com dinheiro público.
Como era de esperar, os dirigentes de centros acadêmicos e sindicatos de funcionários acusaram o reitor Rodas de perseguição política, classificando as expulsões de “autoritárias” e as reprovações impostas por Moura, de “intempestivas”. As acusações baseiam-se em confusão idêntica àquela com a qual pretenderam confundir a presença da polícia para garantir a vida das pessoas e exercer a força legítima em nome do Estado Democrático de Direito com ocupações manu militari da época da ditadura. Agora o argumento mentiroso é que as expulsões foram baseadas num regimento introduzido por decreto durante o mesmo regime arbitrário. O regimento, na verdade, data de 1990, sob a égide da Constituição de 1988 e de um presidente eleito democraticamente.
A mistificação tem o mesmo objetivo cínico de jogar areia nos olhos do cidadão comum, que sustenta com muito sacrifício os privilégios usufruídos pelos estudantes da USP e tem como recompensa por isso a destruição de prédios e equipamentos comprados com seu dinheiro e tendo muitas vezes de pagar escola particular para os próprios filhos. Os invasores dos prédios em novembro usaram a desfaçatez deslavada de considerar instrumento de tortura os ônibus em que foram transportados para a delegacia e tiveram a caradura de se dizer “presos políticos” durante as poucas horas em que foram fichados pela Polícia Civil antes de serem liberados sob fiança bancada pelos sindicatos de servidores da USP. Ou seja, por mim e por você, leitor, pois tais sindicatos, como quaisquer outros, vivem do imposto sindical arrecadado de um dia de trabalho de todo portador de carteira assinada no Brasil, sindicalizado ou não. Isto é: os baderneiros que se amotinaram para deixar o câmpus “sagrado” livre para a atuação de estupradores, assaltantes, assassinos e traficantes de entorpecentes destruíram patrimônio adquirido com o suor do cidadão, inclusive o mais pobre, e foram soltos sob fiança desembolsada por todos os trabalhadores.
Nem todos os 73 desalojados dos prédios ocupados estavam matriculados na USP. Cabe à autoridade informar à sociedade o que fazia em tais edifícios gente alheia à atividade acadêmica fingindo protestar em defesa dela.
Convém lembrar que quadrilheiros do crime organizado de facções como o Comando Vermelho (CV), no Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, aprenderam nos cárceres em que a ditadura os misturou com presos políticos o emprego da definição de “preso político” para conquistarem a simpatia da população e o beneplácito da autoridade. Os estudantes e seus agregados na invasão não são os primeiros nem serão os últimos a recorrer ao eufemismo como tábua de salvação.
Portanto, as atitudes exemplares do professor Carlos Alberto Ribeiro de Moura e do reitor João Grandino Rodas não apenas restauram a autoridade da administração de uma instituição de ensino e pesquisa que já foi mais respeitada. Elas também deveriam servir de exemplo em outros ambientes institucionais nos quais a leniência quanto ao cumprimento da lei e o relaxamento da ordem põem em xeque o conceito fundamental da democracia, que é o da igualdade de todos perante a norma jurídica. Nesta República do vale-tudo para alguns e onde nada podem quase todos, políticos são autorizados a movimentar caixa 2 em campanha eleitoral, o que não é permitido a cidadãos comuns na escrita de suas contas. A punição a quem cabulou aulas e destruiu equipamentos na USP deveria servir de ponto de partida para atitudes semelhantes no exercício da política e na gestão pública.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/12/2011
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