Em situações excepcionalíssimas, é possível que razões políticas se sobreponham a argumentos jurídicos. A complexidade da vida republicana nem sempre se resolve por uma aplicação pura e simples da fórmula normativa abstrata. Com o brilho das letras inapagáveis, o talento superior de Paulo Brossard bem apontou que há fatos que “transcendem a esfera da legalidade, inserem-se em realidades políticas, vinculam-se a problemas de governo, insinuam-se em planos nos quais a autoridade é levada a agir segundo juízos de conveniência, oportunidade e utilidade, sob o império de circunstâncias imprevistas e extraordinárias”.
Estabelecidas as premissas acima, cumpre indagar sem rodeios: quer dizer, então, que o egrégio TSE andou bem em negar cassação àquela doentia chapa presidencial? Ora, o resultado do julgamento, por maioria mínima, mostra que a Corte estava visceralmente dividida. Tal divisão também demonstra a densidade da matéria posta e os altos interesses que estavam em jogo. Logo, antes de ingenuidades sonhadoras, a justa solução exigia a consciência da sabedoria vivida. E a vida ensina que não adianta querer salvar aquilo que já morreu.
Sim, vivemos uma crise política sem precedentes. Nosso sistema político-partidário está nuclearmente violado. A corrupção é generalizada, sendo as ilhas de decência cada vez mais raras. Por assim ser, não adianta querer negar a realidade e tentar dar pulso a um coração que definitivamente deixou de bater. Governos não se conservam no formol, pois precisam de uma institucionalidade viva e capaz de responder com decência e retidão aos clamores de uma democracia que não aceita mais ser enganada. Infelizmente, a mentira dita e praticada destruiu a verdade da representação política brasileira.
O fato é que não dá mais para sustentar a farsa eleitoral neste país. Enquanto o resultado das urnas for um negócio venal, a traficância dos interesses escusos governará a República. A tentativa de preservar o governo atual será danosa à democracia e ao futuro dos brasileiros. Não dá para querer sustentar aqueles que já caíram. Fincados os inegociáveis pilares da ordem econômica, é preciso cassar um a um os canalhas da política corrupta. Chega!
O sistema político vigente acabou. E acabou porque os partidos, ao invés de centros de preparação para a vida pública responsável, viraram estufas de produção de corruptos a serviço de uma macroestrutura delitiva. Portanto, é um grande erro querer conservar um passado corroído, pois o futuro exige novos hábitos e novas posturas. A transição haverá de ser feita com o apoio das instituições da Justiça e, fundamentalmente, com o resgate político dos cidadãos de bem. Antes de políticos profissionais, os desafios contemporâneos da democracia exigem o artesanato da cidadania consciente.
Durante anos, delegamos um poder que é nosso. Vivemos o comodismo da representação, abdicando do protagonismo da participação. Esta apatia coletiva não mais pode continuar. O Brasil só vai mudar com uma nova atitude cívica. Ao invés de esperar a política, temos que viver intensamente a democracia, fazendo da sociedade civil organizada o principal vetor de transformação institucional. Afinal, quando o povo quer, a democracia pode.
Então, o que queremos nós?
Fonte: “Zero Hora”, 15/06/2017.
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