Eu já estava com as férias programadas para um passeio pela Península Ibérica quando surgiu a gripe H1N1 e o noticiário passou a exibir cenas alarmantes. México, Estados Unidos e Espanha lideravam os números da propagação viral. Mostrava-se, por toda parte, gente transitando com máscaras de proteção. Tenebrosas imagens de arquivo traziam à lembrança a gripe espanhola e seus milhões de vítimas fatais. Apesar de inseguros e receosos, rumamos para Barcelona, onde eu não me surpreenderia se encontrasse rabecões carregando cadáveres pelas ruas. Estou a exagerar? Um pouco, claro, mas muito menos do que o noticiário nacional. Jogamos o turismo e a nossa suinocultura num inferno astral.
Lá, pouco se falava da gripe. Nas semanas seguintes, percorrendo 4 mil quilômetros e duas dezenas de cidades, avistamos apenas três pessoas usando máscaras. E não mais que meras referências à doença nos meios de comunicação. Aliás, em todo o percurso não ouvimos um único espirro. Vá lá, estou exagerando outra vez, mas, repito, exagerando bem menos do que a mídia brasileira sobre o mesmo assunto. De onde nos vem esse pendor para o superlativo? É como se, num mórbido paradoxo, precisássemos, para sobreviver, de um pânico por dia e de uma hecatombe com milhares de vítimas por mês. Os futurólogos de fim de ano, bem sabemos, só suscitam interesse se prognosticam rios de sangue.
Mas se não exagerava a importância da H1N1, de que tratava a maior parte do noticiário de lá? Das eleições para o Parlamento da União Europeia, cuja campanha e votação transcorreram enquanto ainda estávamos na região. Interessava-me, especialmente, saber para onde iria o pêndulo do eleitorado de seus 27 Estados nacionais em tempos de uma crise que, para o senso comum brasileiro, resulta das políticas “de direita”. Pois não é que nos vários países – surpresa minha! – os partidos conservadores, de centro-direita e de direita, estavam em plena campanha, apresentavam-se e eram respeitados como tais, expondo suas teses de modo lúcido e convincente? São ativas na Europa as correntes políticas que, sem qualquer constrangimento (em que pese certas incoerências protecionistas), se empenham na preservação do livre mercado, dos valores tradicionais, da família e da defesa da vida. E, mais notável ainda: tais correntes venceram a eleição europeia de modo consistente, superando a bancada dos socialistas em mais de uma centena de cadeiras. Que diferença em relação ao modo como andam as coisas por aqui, onde os conservadores se esquivam dessa identidade e, na maior parte dos principais pleitos majoritários, sequer ousam apresentar candidato!
Considero essencial registrar: o bloco majoritário do Parlamento Europeu, desde 1999, é o conservador, formado pelo Partido Popular Europeu, que acaba de ampliar sua bancada para 263 deputados. O EPP (leia sobre ele em www.eppgroup.eu) derivou do antigo bloco democrata-cristão, como um instrumento político de centro e de centro-direita, e é o primeiro partido europeu com características transnacionais. Declara-se herdeiro das posições defendidas nos anos 50 pelos três grandes líderes católicos que pensaram numa Europa unida (o italiano Alcide De Gasperi, o alemão Konrad Adenauer e o francês Robert Schuman). Junto com dezenas de outras correntes não socialistas, compõem maioria para decidir sobre os grandes temas do Velho Continente.
Enfim, mais alarmantes do que o H1N1 são certos vírus que acometem, de modo superlativo e pandêmico, setores da mídia e da política brasileira.
(Zero Hora, 20/6/2009)
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