Foi com bastante pesar que recebi a notícia de que o TJ/RJ havia declarado a constitucionalidade das cotas raciais em sessão realizada em 18 de novembro de 2009.
Infelizmente, muitos juristas não conseguem sair do pedestal em que se encontram e deixam de estudar o tema sob o enfoque multidisciplinar, essencial para contextualizar as Ações Afirmativas.
Para tanto, seria necessário ter a humildade de reconhecer que a resposta para os nossos problemas não advirá da simples leitura do princípio da igualdade, pois o mantra “tratar desigualmente os desiguais” não define qual é o critério legítimo para que determinado grupo minoritário, em nossa sociedade, possa vir a ser constitucionalmente beneficiado por meio de Ações Afirmativas.
O conceito do que venha a ser minoria apta a justificar ações positivas difere em cada País. Depende da análise dos valores históricos, culturais, sociais, econômicos, políticos e jurídicos de cada povo. Podem-se citar como exemplos de ações afirmativas implementadas ao redor do mundo medidas relacionadas a castas, etnias, raça, sexo, opção sexual, religião, origem nacional, deficiências física e mental ou classe social.
Desta feita, o tema não pode ser analisado a partir de perspectiva kantiana, platônica ou idealista acerca da constitucionalidade de tais medidas de integração, pois é impossível analisá-las com base em um modelo racionalista ideal do princípio da igualdade e independentemente de contexto e de pré-compreensões.
Assim, a constitucionalidade, ou não, de cada medida afirmativa vai depender, sobremaneira, da análise do contexto histórico-econômico-social-cultural em que foram implementadas. Em outras palavras: o reconhecimento de que são válidas ações afirmativas para os aleútes (descendentes de esquimós) no Canadá, ou a afirmação de que são constitucionais as medidas de integração para os dalits (“os intocáveis”) na Índia, não podem conduzir à interpretação de que qualquer medida afirmativa, para qualquer minoria, é válida ao redor do mundo!
Dito de outra forma: se considerarmos que todo modelo de Estado Social tem por pressuposto a integração de todas as minorias por meio de ações afirmativas, deveríamos então conviver com a necessidade de implementação, em nosso sistema jurídico, de medidas de inclusão para ciganos, homossexuais, nordestinos, nortistas, travestis, transexuais, imigrantes, Testemunhas de Jeová, praticantes de candomblé, Hare Krishnas, obesos, feios, dentre outras inúmeras minorias reconhecidas no Brasil. Apesar de todas as minorias precisarem da proteção estatal contra o preconceito e contra a discriminação, nem todo projeto de inclusão forçada via ação afirmativa poderá ser considerado válido e constitucional, por ofensa à razoabilidade.
Para chegarmos à correta conclusão sobre a necessidade de medidas positivas relacionadas à cor, é imperioso mergulhar no estudo da História, Sociologia e Antropologia do Brasil, para verificar se os motivos que levam à não-inclusão dos negros decorrem da cor da pele ou são consequências nefastas das precárias condições à que todos os pobres brasileiros são submetidos, diante do fracasso do ensino público.
No Brasil, na área jurídica, a quase totalidade dos muitos artigos e poucos livros escritos sobre Ações Afirmativas não renova os argumentos e analisa os programas positivos como se estes fossem resultados óbvios da evolução do princípio da igualdade, do Estado Liberal ao surgimento do Estado Social. Até o momento, os operadores do Direito se limitaram à observação do modelo norte-americano e à conseqüente conclusão pela cópia do sistema. Para chegar à ilação de que viveríamos problema semelhante ao da sociedade estadunidense, os defensores das medidas utilizam-se especialmente dos indicadores sociais, que demonstram a precária situação em que se encontram os negros no País. Dessarte, a equação formada pela leitura precipitada e superficial do modelo norte-americano, conjugada com os índices sociais desfavoráveis para os negros no Brasil, parece ter sido suficiente para que a implementação de ações afirmativas se tornasse, momentaneamente, o debate do dia.
A ignorância é tão prejudicial à análise da matéria quanto o é o racismo. É preciso parar de pensar como Colônia. Devemos ter a criatividade de sugerir soluções próprias e condizentes com a nossa realidade (como seriam as cotas sociais), em vez de pegarmos de empréstimo a resposta criada para outros países! Basta de alienação!
Parabéns pela clareza Roberta, eu sou ultra liberal e sou um mais radical, sou contra qualquer tipo de ação afirmativa porque acho que isso deveria caber à auto-organização da sociedade civil através de entidades privadas, como ONGs e fundações.
Que autoridade o Estado tem pra tirar o meu dinheiro coercivamente através de impostos para ajudar outrem sem a anuência de minha vontade? Isso é opressão estatal.
Estado não serve pra nada, prefiro o livre mercado.
Acho que radicalismos não são -nem passam por perto- da resposta da sociedade brasileira necessita para esta difícil questão.
Não estou seguro sobre qual é o melhor modelo, me filio a corrente que defende as cotas raciais como solução transitória para o modelo brasileiro, mas respeito os argumentos daqueles que se filiam a posição contrária.
Só não concordo com expressões como “è preciso para de pensar como colônia”, não creio que os defensores das cotas pensem assim, mas, ao revés, defendem um modelo para o país mais abrangente a partir da sua concepção de mundo – o que é plenamente aceitável.
O monopólio da percepção crítica sobre qualquer tema soa como demagogia e pretensão intelectual despropositada daqueles que querem apenas promoção advogando determinada posição ao invés de contribuírem verdadeiramente para a construção de uma nova argumentação para este tema.