O julgamento do mensalão não escapará de uma leitura simbólica, indicando quais práticas políticas serão aceitáveis no futuro
“Qual foi o caminho que nos levou à grandeza? Sob qual forma de governo e sob quais costumes alcançamos nossa grandeza?” exortava Péricles no auge da democracia ateniense. “Nada é mais fértil do que ser livre, e nada mais árduo do que o aprendizado da liberdade”, alertava Tocqueville sobre os desafios da ordem democrática.
A construção de uma Grande Sociedade Aberta exige incessante aperfeiçoamento institucional. O julgamento do mensalão tem, por isso, dimensão histórica. Vai muito além de tecnicalidades jurídicas, que distinguem “caixa dois’ como crime e “recursos não contabilizados’ como lapso, e também da feroz disputa de poder entre tucanos e petistas. Trata-se da leitura simbólica quanto ao futuro de nossas práticas políticas.
A ciência e o jornalismo têm em comum o compromisso com o entendimento dos fatos, suas causas e consequências. O absoluto respeito por evidências empíricas. A ética na busca da verdade. O ideal do conhecimento como ferramenta para melhorar nossas vidas. Há também espaço para diferenças de opinião, desde que compatíveis com as evidências.
O que ocorreu no mensalão? Um atentado à independência dos poderes, uma tentativa de compra de representantes do Legislativo por representantes do Executivo. A palavra final cabe ao Poder Judiciário, representado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por que aconteceu? À luz da evidência empírica de quase quarenta anos, com partidos políticos enlameados e os mais nobres ideais degenerando-se em corrupção sistêmica (anões do Orçamento, precatórios, Jorgina do INSS, Lalau do TRT, Sudam, valerioduto, sanguessugas, Cachoeira, entre tantos episódios), não se pode descartar a associação entre corrupção, hipertrofia do Estado e centralização administrativa. Os escândalos sucessivos e a desmoralização da classe política são manifestações de uma transição inacabada do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta.
E as consequências futuras que virão da leitura simbólica desse julgamento? Seguiremos sob a cultura da impunidade? A corrupção, o tráfico de influência e o desvio de recursos públicos continuarão aceitáveis em nome da governabilidade? Ou, como avalia a revista “Economist” desta semana: “Cadeia para políticos corruptos no Brasil pode ainda ser pouco provável, mas não é mais impensável.”
Fonte: O Globo, 30/07/2012
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