Aprendi cedo, sem o perceber, que o Brasil é o país da procrastinação, e que, nessa terra, a lentidão é “protocolar, litúrgica, dignificante”, tanto que o Brasil “não tem problemas, apenas soluções adiadas”, conforme ensina Luís da Câmara Cascudo.
A história, quando se trata de outros países, possui múltiplas definições: “a soma das coisas que poderiam ter sido evitadas” (Konrad Adenauer), ou “um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo” (Napoleão). Para o Brasil, embora simpatize com a definição de Cacá Diegues – “uma senhora bêbada que tropeça em tudo que vê” –, acho mais preciso adotar a ideia de que nossa história é uma opulenta coleção de adiamentos, às vezes, interrompida pelo medo.
Lembro com certo temor do que aprendi no ginásio sobre a escravidão no Brasil: ingleses imperialistas, com o fito de destruir nossa economia doméstica, nos forçaram a abolir o tráfico, mas nós os enganamos por muitos anos, até a Lei Euzébio de Queiroz em 1850, quando, oficialmente, acolhemos a sugestão, mas inventamos a expressão “para inglês ver”.
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Estranho que o “interesse nacional” se confundisse com a manutenção da escravidão, não?
Mas só em 1888, quase 30 anos depois, é que fizemos a Abolição, mas em boa medida por oportunismo político, como parte de um pacote para salvar a monarquia que também compreendia os “auxílios à lavoura”, financiamentos subsidiados às fazendas “afetadas” e que, como descreveu o Jornal do Comércio, tinham “condições de vida”. Sim, foi uma forma de “indenização”, via crédito direcionado com juros facilitados, e não foi pouco dinheiro.
O mérito de fazer, que não deve ser diminuído, não apagava o fato de termos sido o último país do Ocidente a proscrever essa abominação. Por que demoramos tanto para tomar uma medida “modernizadora” que mudava para muito melhor as bases de nossa economia, para não falar de direitos humanos?
Alguém pode ter sido enganado sobre o dinamismo econômico do Brasil Império. Que não haja dúvida: o crescimento da renda per capita do País entre 1820 e 1900 (em dólares corrigidos pela inflação) mal atingiu 5% em termos acumulados. Ou seja, foi uma estagnação de quase um século, período em que a relação entre a renda per capita americana e a brasileira triplicou, passando de 1,9 a 5,8, um atraso jamais recuperado.
A historiografia cultiva um olhar benigno sobre o Império, exaltando a estabilidade das instituições e sobretudo a preservação da unidade territorial, um contraste positivo considerando a vizinhança. Porém, é impossível dissociar o péssimo desempenho econômico do Império de uma equação política viciosa, da qual faziam parte não apenas a escravidão, como os impedimentos à livre-iniciativa ricamente resenhados na agonia do Visconde de Mauá.
Na verdade, foi o exato rompimento dessa equação que transformou a quartelada de 15 de novembro de 1889, um tanto inesperadamente, numa verdadeira revolução, nosso primeiro “choque de capitalismo”. As reformas econômicas simplesmente atrasaram demais, e a política colapsou.
Como seria o Brasil se tivéssemos nos livrado desse “modelo econômico” meio século antes?
Essa experiência fundadora é muito útil para o debate contemporâneo sobre reformas pois, segundo se alega, não estamos prontos, ou os perdedores se julgam injustiçados e pleiteiam um adiamento, para o governo seguinte ou idealmente para a próxima geração.
É sempre a mesma conversa, como se a obsolescência fosse inconstitucional e as boquinhas pudessem sempre durar mais uma década ou duas.
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Novamente, o País se encontra no limiar de uma nova rodada de reformas e, coincidentemente, à beira do precipício. Na verdade, no país da procrastinação, a proximidade do precipício se mostra essencial.
Talvez não exista outra forma de romper com as amarras, senioridades e privilégios que oneram o nosso futuro que a antevisão de um gigantesco abismo cujo fundo nem se consegue vislumbrar.
Fonte: “Estadão”, 27/01/2019