Em 2018, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, embora não fosse proibida pela Constituição, a prática de ensino domiciliar não poderia ser considerada legal sem a devida regulamentação da questão pelo Congresso Nacional. Ao decidir desta forma, o entendimento do Supremo foi baseado na preocupação a respeito de como deveria ser feito o acompanhamento, a avaliação pedagógica, o controle de frequência e da evasão escolar, bem como a socialização das crianças submetidas a tal modalidade de ensino.
Agora, para alívio e preocupação das famílias que seguem este modelo de educação, foi aprovado na Câmara dos Deputados o texto do Projeto de Lei 3.179/2012, que “acrescenta parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica”. O alívio se dá por conta das constantes perseguições que as famílias sofriam ao optarem pelo ensino domiciliar, as quais, viviam sob o medo de serem acionadas, a qualquer momento, por Conselhos Tutelares ou pelo Ministério Público, correndo o risco de serem imputadas criminalmente ou até de perderem a guarda de seus filhos. No entanto, existem muitos pontos da lei que merecem atenção e podem até mesmo inviabilizar a prática para algumas famílias.
De acordo com estimativas feitas pelo Ministério da Educação existe hoje, no Brasil, cerca de 17.000 famílias que já praticam o ensino domiciliar. Mas é possível que este número seja bem maior, já que a prática não estava regulamentada, fato que estimulava o silêncio e a clandestinidade de muitas dessas famílias.
Importante destacar que o projeto de lei em seu texto original era muito mais benéfico às famílias de “homeschoolers” e bastante conciso, possuindo apenas dois artigos:
“Art. 1o O art. 23 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
“Art. 23………………………………………………………………………
3o É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais.”
Art. 2o Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
No entanto, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados acabou sendo o fruto de uma emenda substitutiva proposta pela Deputada Luíza Canziani, a qual estabeleceu vários outros requisitos e obrigações para que crianças ou adolescentes possam ser submetidos a esta modalidade de ensino, vejamos alguns deles:
1) pelo menos um dos pais deverá ter diploma de ensino superior, caso nenhum dos dois possua diploma, a família deverá contratar um preceptor que tenha esse nível de escolaridade e habilitação para a docência;
2) os pais deverão matricular a criança ou adolescente em alguma escola pública ou privada, permitindo que professores da instituição possam supervisionar o que está sendo ensinado e proceder a um acompanhamento semestral;
3) participação dos estudantes em exames do sistema nacional de avaliação da educação básica;
4) apresentação de certidões criminais da Justiça Estadual, Federal ou Distrital dos pais ou responsáveis;
5) avaliações anuais e semestrais sobre a aprendizagem e progresso do estudante;
6) acompanhamento educacional pelo órgão competente do sistema de ensino;
7) fiscalização pelo Conselho Tutelar;
8) garantia de que o estudante tenha convivência familiar e comunitária;
9) dentre outros.
Vários representantes de entidades ligadas ao ensino domiciliar manifestaram preocupação com o rigor do texto aprovado, mas alguns entenderam que houve avanço e o fim da insegurança jurídica que pairava sobre a questão. No entanto, não há muito o que comemorar.
Um dos princípios fundamentais da educação brasileira, inserido no texto constitucional, garante a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (Art. 206, II, CF), também consta que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205, CF).
De acordo com esses textos constitucionais, podemos inferir que a educação das crianças deveria ter o mínimo possível de interferência estatal e ser conduzida com liberdade e responsabilidade pelas famílias e pelo Estado, com foco sempre no melhor desenvolvimento possível da pessoa. Isso tem a ver também com o princípio da dignidade humana.
Embora a aprovação do projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar no Brasil possa ser considerada uma vitória das famílias educadoras, na verdade traz um peso desnecessário e desproporcional para quem adota essa modalidade. Da forma com que o texto foi aprovado, permanece a insegurança jurídica de quem faz a opção por este modelo. Isto porque mantém os pais e responsáveis reféns de burocratas e de uma avaliação bastante subjetiva a ser feita por pessoas que podem não ter o mesmo conjunto de valores e princípios adotados na educação dessas crianças ou adolescentes. Gerando ainda mais insegurança jurídica no caso.
Bastava uma lei dizendo que os pais e responsáveis têm o direito de educar seus filhos em casa, independente de autorização estatal ou de se submeterem a inúmeras regras. Já existem inúmeras leis e normas que protegem os direitos de crianças e adolescentes. Do jeito que anda a coisa, logo virá uma extensa regulamentação da lei aprovada, trazendo ainda mais obrigações às famílias que optaram pelo “homeschooling”, fato que tornaria completamente inviável prosseguir no modelo. Mas, no Brasil, o que prevalece é a sanha de um Estado enorme e burocrático, cujo peso precisa ser suportado por todos nós e contra o qual não temos a menor chance de defesa.