A estatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), a maior empresa da Argentina, foi destaque na imprensa internacional nos últimos dias. A maioria das análises focou nos custos que essa iniciativa vai trazer para o país, ao enfraquecer ainda mais o seu já baixo nível de segurança jurídica. Nenhum investimento está seguro, de forma que qualquer empresário vai pensar duas vezes antes de levar seu capital para a Argentina.
Vários analistas foram, porém, além dessa constatação. Alguns especularam sobre o que esse movimento revela sobre a situação mais ampla do país. Há quem argumente, por exemplo, que o objetivo principal do governo foi apoderar-se do lucro gerado pela YPF, em torno de US$ 1,2 bilhão ao ano. Seria, portanto, mais um passo em um caminho que também incluiu a sobretaxação das exportações agrícolas, a estatização dos fundos de pensão, a proibição de repatriação de lucros das mineradoras e a apropriação das reservas internacionais até então guardadas no Banco Central, para ficar nos episódios mais rumorosos.
Quem se alinha com essa visão considera que a dinâmica econômica argentina é insustentável, caminhando para uma crise cambial, mesmo que esta não seja iminente. Medidas como a expropriação da YPF serviriam apenas para dar sobrevida a um modelo econômico fadado ao fracasso. As semelhanças com o modelo chavista, mesmo que involuntárias, vão ficando mais evidentes.
Também se enfatizou o gradativo isolamento internacional do país. Esse começou com o calote da dívida externa, até certo ponto inevitável, continuando com o crescente protecionismo e o rompimento de contratos, que tornaram a Argentina campeã de reclamações em conselhos de arbitragem internacional e na Organização Mundial do Comércio. A expropriação da YPF vai aumentar o isolamento diplomático do país, reduzir os graus de liberdade da política econômica e reforçar o seu caráter nacionalista e estatizante.
Outras matérias situaram a estatização no contexto histórico, lembrando que essa não foi a primeira vez, nem será a última, que uma empresa multinacional é estatizada. John Gapper chama a decisão de Cristina Kichner de óbvia, mas também de “estúpida”, já que agora vai caber ao governo argentino arranjar dinheiro para bancar os investimentos necessários para desenvolver o setor de energia do país (Financial Times, 18/4). Eduardo Lora observou que a América Latina vive ciclos recorrentes de estatizações e privatizações (Valor, 20/4): estatiza-se quando os preços dos recursos naturais estão altos e a expropriação dá ao governo recursos para fazer favores políticos; privatiza-se quando a eficiência e o investimento dessas empresas caem e essas viram um dreno para as contas públicas.
Algo surpreendentemente, porém, pouco se discutiu sobre as implicações desse acontecimento para o Brasil. Há, a meu ver, três que merecem atenção. Primeiro, a tendência é que a política econômica argentina avance em um grau crescente de radicalismo, na tentativa de lidar com seus desequilíbrios intrínsecos. Não se deve descartar que as empresas brasileiras com investimentos no país também sejam alvo de expropriações. Tanto o setor privado como o governo brasileiro deveriam ter planos contingentes para responder a isso, idealmente de forma mais eficaz do que vem ocorrendo na esfera comercial.
Segundo, não é claro como a expropriação da YPF vai afetar a visão que os investidores estrangeiros têm do Brasil. De um lado, o Brasil vai se tornar, em termos comparativos, um destino mais atraente para os investimentos estrangeiros na região. De outro, há o risco de que as pessoas comecem a se perguntar se algo parecido não pode vir a ocorrer no Brasil futuramente. Afinal de contas, quando a Repsol comprou a YPF nos anos 1990, a Argentina também era vista como um país ideal para as multinacionais investirem. Para evitar esse risco, temos de fortalecer cada vez mais as instituições que garantem a segurança jurídica no país.
Terceiro, devemos aprender com o que acontece na Argentina. O governo argentino vem há anos controlando os preços em baixos patamares. No curto prazo, isso rendeu dividendos políticos, mas com o tempo a oferta diminuiu, pela falta de novos investimentos. Não dá para controlar preços e quantidades ao mesmo tempo. Também por aqui esse fato não parece ser bem compreendido. Infelizmente, também no Brasil não se nota um completo entendimento dos prejuízos que vão advir do crescente intervencionismo na economia.
Fonte: Correio Braziliense, 26/04/2012
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