O programa liberal de Paulo Guedes traz à tona uma questão mais velha que Matusalém: a da abertura ao livre comércio. É fora de dúvida que, sendo a economia brasileira uma das mais fechadas em um mundo cada vez mais aberto, libertá-la das amarras de nosso protecionismo crônico – que prejudica milhões de consumidores para beneficiar meia dúzia de produtores – é providência a ser tomada com urgência. Ocorre que resistir à competição faz parte da condição humana, seja no campo das relações sociais, seja no da economia: nenhum dono de padaria, restaurante ou barbearia ficaria contente com a instalação de um concorrente na mesma rua, e nenhum homem apaixonado exultaria de alegria se surgisse um rival a disputar o coração da amada.
São normais, portanto, as objeções que representantes do comércio e da indústria colocam ante a ameaça de que possam vir a ter de enfrentar qualquer tipo de competição interna ou externa. Sucede, porém, que os argumentos que empunham são improcedentes à luz do que é de fato relevante: a satisfação dos consumidores, entendida como o seu acesso a produtos de melhor qualidade e mais baratos.
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A abertura econômica não é uma opção ideológica, mas uma necessidade lógica; e a questão relevante não é a abertura, mas a velocidade com que o novo governo vai conduzi-la. Embora o futuro ministro da Economia e o próprio presidente eleito tenham afirmado reiteradamente que o processo será gradual, muitos dos que vão sair de sua zona de conforto têm colocado suas bocas nos trombones.
Uma das reações é a de que, antes de promover a abertura, o novo governo teria de realizar todas as reformas e tarefas necessárias para reduzir o chamado “custo Brasil”, como a tributária, a desburocratização, a recuperação da economia, a queda das taxas de juros, a construção de ferrovias, estradas, portos e aeroportos etc. Abrir os mercados sem antes cumprir toda essa complexa agenda seria, alega-se, uma bordoada impiedosa e malvada nas empresas nacionais, há largo tempo habituadas ao protecionismo. Alguns chegam a invocar que a indústria brasileira já goza de estrutura consolidada e razoável competição interna. Ora, se é assim, por que temem a abertura?
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Tal argumentação remete-nos a Frédéric Bastiat, economista e panfletário francês do século 19 que publicou, em 1845, um artigo tão bem-humorado quanto demolidor, intitulado A Petição, em que, por redução ao absurdo, redigiu um hipotético requerimento aos membros da Câmara de Deputados, em nome dos fabricantes de velas, candeias, lâmpadas, candelabros, produtores de sebo, óleo, resina, álcool e de tudo que dissesse respeito à iluminação. Na petição, clamavam por uma lei que impusesse a vedação total de todas as janelas, claraboias, frestas, cortinas, enfim, de qualquer abertura pela qual a luz do sol tem o péssimo costume de penetrar, para proteger essas indústrias dos prejuízos decorrentes da desleal concorrência e da ação predatória do astro-rei, o famigerado rival estrangeiro que tinha o desplante de oferecer iluminação sem custos para os consumidores.
Por óbvio, não há por que esperar pelo término de todas as reformas – nem por Hércules completar suas 12 façanhas e nem pelo Íbis ser campeão da Série A do Brasileirão – para só então começar a abertura comercial. Abrir reformando ou reformar abrindo é o caminho. Pela primeira vez em muitas décadas, a área econômica do governo é entregue a quem não tem vergonha de ser liberal e sabe que o governo não pode abrir mão desses dois objetivos, o das reformas e o da abertura, e que ambos os processos devem caminhar sincronizados ao longo do tempo.
Alvíssaras e prolfaças! Parece que o tão falado futuro começa a chegar para o Brasil.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 05/11/2018