Nos últimos anos, a cara do mercado brasileiro de startups mudou drasticamente. De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), se em 2012 existiam cerca de 2 519 jovens empresas tecnológicas por aqui, esse número mais que triplicou e está em 10 000 atualmente.
Só no ano passado, quatro delas se tornaram unicórnios, ou seja, foram avaliadas em 1 bilhão de dólares. Na esteira desse crescimento, um ecossistema de outros negócios surgiu. Entre eles os fundos de investimento, as incubadoras e as aceleradoras.
Estas últimas apareceram há cerca de dez anos, replicando o modelo americano no qual investiam dinheiro e conhecimento nas startups em troca de um pedaço desses empreendimentos. O lucro viria anos depois, quando a empreitada prosperasse.
De lá para cá, as aceleradoras também se multiplicaram e hoje existem cerca de 41 empresas nesse ramo no Brasil. O número, segundo especialistas, é alto se considerarmos que mundialmente apenas 253 companhias atuam da mesma forma.
E agora, depois de uma década de trabalho com as startups, as aceleradoras estão de olho em outro nicho: o das grandes empresas. Embora tenham movimentado cerca de 19 bilhões de dólares em 2017, para sobreviver as aceleradoras reavaliam seu modelo de negócios.
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O aumento da competitividade no mercado empreendedor e a necessidade de investimentos altos, tanto em aportes para as startups quanto em times qualificados para atendê-las, são alguns dos entraves à saúde financeira dessas empresas.
E um dos campos mais promissores não está nas jovens empresas disruptivas, mas dentro das grandes corporações, cada vez mais ávidas por inovar.
Tanto que, de acordo com um estudo da startup de investimentos americana Gust, publicado em 2016 e que entrevistou 579 aceleradoras no mundo todo, cerca de 67% pretendiam gerar receita por meio de serviços corporativos.
Apenas 32% esperavam ter retorno financeiro com os exits — quando uma startup com a qual a aceleradora trabalha é comprada e as ações são vendidas. E esse movimento está chegando ao Brasil.
“Tal como ocorreu nos Estados Unidos e na Europa, as aceleradoras brasileiras encontraram no atendimento às organizações uma forma de fechar as contas e alcançar sustentabilidade econômica”, diz Caio Ramalho, coordenador do curso de MBA em private equity, venture capital e investimentos em startups da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
Com isso, departamentos inteiros estão sendo criados dentro das aceleradoras apenas para oferecer serviços como treinamentos corporativos, implantação de times ágeis e programas de incubação em conjunto com grandes empresas.
Algumas decidiram ir mais longe e estão focadas apenas nesse trabalho. E, prometendo fazer a inovação sair do discurso, as aceleradoras passaram a ser um competidor de peso contra as consultorias tradicionais.
“Por estarem mais próximas da linguagem e das práticas dos empreendedores, elas tendem a ganhar muito ofertando esse serviço”, diz Igor Piquet, diretor de empreendedorismo da Endeavor.
Menos Excel, mais mão na massa
Criada há sete anos, e tendo acelerado 260 startups, a Ace é um exemplo desse movimento. Desde 2014, a empresa prestava serviços para grandes companhias de forma pontual, mas há um ano resolveu criar um novo braço dentro do grupo com a operação voltada apenas para o público corporativo.
Captaram 5 milhões de investimento de um fundo e lançaram a Ace Córtex em fevereiro de 2018. “Queríamos entregar algo além de um PowerPoint com centenas de slides apontando possibilidades.
Nosso objetivo era ajudar as empresas a encontrar estratégias de produtos que causassem impacto em seus negócios e a desenvolver os projetos junto com elas no dia a dia”, diz Pedro Waengertner, CEO da Ace.
Um dos exemplos foi o trabalho que a Ace Córtex realizou com a empresa de previdência privada BrasilPrev, em 2018. “Capacitamos os líderes da empresa em metodologias ágeis e ensinamos a eles como apresentar ideias em formatos de pitch, por exemplo”, diz Pedro.
Como resultado, no período de cinco meses os executivos da BrasilPrev apresentaram oito projetos de novos produtos. “A expectativa da companhia é que essas iniciativas gerem 20 milhões de reais de retorno em um ano”, afirma Pedro.
A estratégia caiu no gosto das empresas e os clientes da Ace Córtex saltaram de dois, no início de 2018, para 33 atualmente, entre eles gigantes como Basf e Natura. Com isso, o grupo, que atualmente emprega 40 pessoas, pretende aumentar esse número para 100 até o fim do ano.
Esses novos profissionais serão, sobretudo, empreendedores — bem-sucedidos ou não. “Já conhecíamos o talento de muitos deles, que tinham passado pela aceleradora anteriormente e que, por algum motivo, não tiveram sucesso em suas startups.” O fracasso, aliás, é visto com bons olhos.
“Quem já empreendeu lida melhor com a incerteza inerente aos negócios em fases tão iniciais e não se dá por vencido diante das dificuldades, além de ser mais questionador”, diz Pedro.
Para cada necessidade
A Startup Farm também ajustou a rota no meio do caminho. Fundada há oito anos e com um currículo pelo qual passaram startups como Easy Taxi e WorldPackers, em 2014 a aceleradora resolveu estruturar a OpenCorp Farm, uma unidade de negócios voltada para grandes empresas.
“Muitas corporações nos procuravam para ajudá-las, então vimos uma oportunidade de atender melhor essa demanda”, diz o CEO Alan Leite.
Entretanto, em vez de formatar serviços personalizados, a estratégia da OpenCorp Farm foi identificar necessidades comuns das corporações e criar soluções que se adaptassem a qualquer companhia.
“Percebemos uma procura por treinamentos sobre empreendedorismo para cargos de gerência e diretoria, aceleração de projetos internos com as metodologias de startups, além de workshops de resolução de problemas”, afirma Alan.
Outra tática foi replicar o programa de aceleração da Startup Farm, que recruta empresas de todos os segmentos, em outros que selecionam startups de ramos específicos, como o Ahead Visa e o Ahead Banco do Brasil.
Atualmente, a OpenCorp Farm tem seis clientes, entre eles Centauro, Banco do Brasil e Oi Futuro, e pretende dobrar a receita em 2019. O time, que hoje tem 16 pessoas, deve aumentar para 22 até o fim do ano.
“Terão oportunidade os profissionais com experiência em gestão de portfólio de empresas, investimentos e relacionamento com grandes corporações”, afirma Alan.
Modelo viável de negócio até quando?
Fundada em 2015, a Liga Ventures já nasceu como uma aceleradora corporativa. Depois de ter contato com o empreendedorismo por meio da aceleração de empresas de mídia, os sócios Rogério Tamassia, Guilherme Guimarães e Daniel Salles perceberam que, para o negócio dar certo, o caminho seria grandes empresas.
“Enxergamos esse modelo como um dos poucos viáveis porque permite receita recorrente e de curto prazo. O retorno de um investimento de venture capital [capital de risco] em startups, por exemplo, pode levar até dez anos. Com a aceleração corporativa conseguimos ganhar escalabilidade”, afirma Rogério.
Em quatro anos de operação, a Liga Ventures, que tem atualmente 25 clientes de grande porte, como Porto Seguro, Vedacit e Grupo Pão de Açúcar, gerou 300 negócios entre empresas e startups e aumentou de quatro para 21 o número de funcionários.
Essa equipe, aliás, teve de mesclar jovens que entendem de tecnologia com executivos mais experientes que conseguem transitar no mundo corporativo e sentar à mesa com os CEOs. “Cerca de 50% de nossos funcionários são gestores de aceleração.
Eles atuam como mediadores e conseguem criar harmonia na comunicação entre empresas e startups, que têm estilos diferentes”, diz Rogério.
Além de estruturar testes de modelos de novos negócios, a Liga Ventures oferece consultoria para áreas mais tradicionais das empresas, como jurídico, financeiro e compras.
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“Esses departamentos precisam se preparar para trabalhar com as startups de maneira que, quando os programas de aceleração começarem, os processos e contratos já estejam adaptados e deixem de ser lentos e restritivos como costumam ser”, afirma Rogério.
Os benefícios de ter o conhecimento das aceleradoras ajudando grandes empresas são inúmeros — para ambos os lados.
Para as companhias, a chance de se aproximar e entender como a inovação acontece nas startups pode ser o segredo que as fará sobreviver nos próximos anos.
Para as aceleradoras, pode ser a saída para continuarem sendo sustentáveis e relevantes dentro do ecossistema empreendedor. Porém, é preciso ficar atento. “Startups e organizações são muito diferentes.
Estas últimas são bem mais complexas (com vários processos, hierarquias), então utilizar o mesmo método de trabalho indiscriminadamente nunca dará resultados”, afirma Caio Ramalho, da FGV.
Isso quer dizer que não basta ensinar às empresas os jargões dos empreendedores ou colocá-las todas para trabalhar em equipes interdisciplinares. O desafio continua sendo o de transformar a cultura desses elefantes brancos, algo que não é fácil nem rápido.
E pivotar as grandes corporações pode levar anos. “Se a alta liderança não estiver comprometida com o processo, isso ficará mais difícil. Diversas empresas têm feito investimentos sem absorver o que o ‘estilo startup’ tem a oferecer: perguntas e reflexões ao invés de respostas prontas”, afirma Caio.
Resta saber se as aceleradoras vão, de fato, conseguir ajudá-las nesse desafio ou se serão substituídas por outra solução milagrosa que poderá surgir daqui a uns anos.
Fonte: “EXAME”