Com os números do gasto público fechados para 2014, é o momento de acompanharmos a evolução do que venho chamando de contrato social, a expansão dos gastos sociais brasileiros em função da demanda nesse sentido manifestada pelos eleitores desde a reinstauração da democracia.
De 1997 até 2014, o gasto não financeiro da União, excluindo transferências a Estados e municípios, cresceu de 14% do PIB (Produto Interno Bruto) para 20%. Trata-se de expansão de seis pontos percentuais do PIB de uma economia cujo crescimento real acumulado no período foi de 60%.
De acordo com o IBGE, a carga tributária bruta no Brasil era de 28,6% do PIB em 1997. Atualmente deve estar na casa de 36% – aumento, portanto, de 7,4 pontos percentuais do PIB desde 1997.Desse crescimento, 6 pontos percentuais foram, como vimos, para o gasto não financeiro da União. O 1,4 ponto percentual restante deve corresponder ao crescimento dos gastos dos governos regionais.
O próximo passo é sabermos quais rubricas se expandiram: 44% do crescimento, ou 2,7 pontos percentuais do PIB, deveu-se à elevação dos gastos com INSS; 11%, ao custeio da saúde e educação; e 30%, ao crescimento dos programas sociais, rubrica que compreende o Bolsa Família, o seguro-desemprego, benefícios da lei orgânica da assistência social e o abono salarial.
[su_quote] É importante que a sociedade entenda que ou revemos os termos do contrato social ou é necessário passarmos por uma nova rodada de elevação da carga tributária[/su_quote]
Ou seja, 85% da elevação do gasto da União em pontos de percentagem do PIB ocorrida de 1997 até hoje se deveu a três rubricas do gasto social. Se incluirmos os subsídios do programa Minha Casa, Minha Vida, encontraremos 90% do aumento!
O aumento do gasto não financeiro da União tem ocorrido porque a sociedade, por meio do Congresso Nacional, desenhou programas sociais com critérios de elegibilidade e valores de benefícios ou subsídios, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida, que resultam em crescimento automático do gasto público ao ritmo de 0,36 ponto percentual do PIB todo ano.
Evidentemente, para que a conta feche, a carga tributária tem que crescer ao mesmo ritmo todo ano.
Existe um desequilíbrio entre a demanda sobre o setor público que decorre da legislação e a capacidade do setor público de arrecadar. Como escrevi em coluna recente, esse desequilíbrio foi mascarado por alguns anos por alguns eventos que não se repetirão – como a forte formalização do mercado de trabalho – e que resultaram numa taxa de crescimento da receita pública maior do que a taxa de crescimento do produto.
Essa dinâmica muito favorável da receita deixou de existir em 2012. O buraco fiscal que se abriu desde então resultou essencialmente do processo automático de crescimento do gasto público – fruto do contrato social– e da redução natural na taxa de crescimento da receita, para valores compatíveis com o crescimento do produto.
A situação fiscal foi agravada por uma política desastrosa de desoneração tributária e controle de preços que a atual equipe econômica tem revertido.
Assim, é importante que a sociedade entenda que ou revemos os termos do contrato social – critérios de elegibilidade e valores de benefícios e subsídios implícitos nos diversos programas sociais – ou é necessário passarmos por uma nova rodada de elevação, ainda maior do que está programado para 2015 e 2016, da carga tributária.
É nesse contexto que as medidas de reformulação dos critérios de elegibilidade e valor dos benefícios do seguro-desemprego, pensão por morte e abono salarial precisam ser analisadas.
Além de atender ao objetivo de curto prazo de atingir o superavit primário de 1,2% do PIB, tão importante para que não percamos o grau de investimento na classificação de risco de nossa dívida soberana, as medidas atendem o objetivo estrutural, essencial em toda sociedade civilizada, de que os benefícios concedidos em lei tenham dinâmica compatível com a evolução do Orçamento.
É importante que o Congresso Nacional entenda esse ponto e aprove as medidas do ajuste fiscal.
Fonte: Folha de S. Paulo, 8/3/2015
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