O encontro entre Jair Bolsonaro e Donald Trump no dia 19 se dará às vésperas da conclusão de um acordo histórico entre os EUA e a China que pode ser altamente disruptivo para o agronegócio mundial, afetando principalmente o Brasil.
O acordo pode representar o fim de uma era em que o comércio se expandia baseado essencialmente na competitividade dos países, sem grande esforço.
Ele traz novos elementos para a equação: pressionados por imenso déficit comercial de US$ 420 bilhões, os EUA deram início a uma guerra mercantilista com a China impondo elevadas tarifas sobre US$ 250 bilhões em importações.
O gigante asiático retrucou impondo tarifas sobre US$ 110 bilhões dos EUA, o que atingiu em cheio a soja americana. A disputa trouxe US$ 8 bilhões adicionais às nossas exportações de soja para a China, levando os incautos a inclusive “comemorar” a guerra comercial.
Tudo indica que os EUA vão forçar a China a ampliar as suas compras de produtos agropecuários americanos em absurdos US$ 30 bilhões anuais, que, na melhor das hipóteses, se somariam aos US$ 14 bilhões que foram adquiridos em 2018.
Previsões mais sombrias dizem que as importações chinesas vindas dos EUA poderiam ultrapassar US$ 50 bilhões anuais, se somadas ao valor de 2017, que foi de US$ 22 bilhões.
Acreditamos que as exportações mundiais de soja voltarão ao seu curso normal pré-2017, com os chineses se beneficiando plenamente da alternância das safras americana (EUA) e sul-americana (Brasil e Argentina), que ocorrem em diferentes momentos do ano. Essa complementariedade garante estabilidade de oferta e menor risco para a China.
Ocorre, porém, que, para chegar aos US$ 30 bilhões adicionais, a China teria de oferecer acesso privilegiado aos EUA em outros produtos.
Leia mais de Marcos Sawaya Jank
Por uma abertura comercial inteligente
A globalização do Império Britânico
Novos destinos da inovação no Agro
Dois casos com forte impacto sobre o Brasil são o milho e o algodão. O consumo de milho da China é gigante (280 milhões de toneladas), porém as suas importações têm sido muito reduzidas —apenas 3,5 milhões de toneladas em 2018.
Os EUA pressionarão a China a importar muito mais milho, flexibilizando o seu regime restritivo de cotas de importação e facilitando o ingresso de milho transgênico.
Outros produtos americanos que seriam beneficiados pelo acordo são o etanol de milho, o DDG (subproduto da produção de etanol usado em alimentação animal) e as carnes.
No caso do etanol, a importação viria da obrigatoriedade de mistura de 10% de etanol na gasolina da China (E10), que foi mandatada no passado, mas jamais cumprida.
Estimamos que, entre produtos e subprodutos de milho, etanol e algodão, a China poderia ampliar suas importações dos EUA em mais de US$ 10 bilhões adicionais por ano.
Nas carnes, se a China retirar as restrições técnicas e sanitárias que foram impostas aos americanos nos últimos anos, certamente seremos prejudicados em todas as proteínas animais —aves, suínos e bovinos—, com destaque para as perdas de mercado em pés e coxas de frango.
A China certamente tem meios para atender à forte pressão dos EUA, ampliando o acesso de soja e de outros produtos agropecuários.
Resta saber se isso será feito à luz das regras da OMC, se ela vai “forçar a barra” na flexibilização das barreiras técnicas e sanitárias e se usará a sua estrutura estatal (estoques estratégicos e empresas públicas) para operacionalizar o acordo.
Enfim, se esse acordo se concretizar, poderemos estar entrando numa era de “comércio administrado” caso a caso, sob a égide de interesses geopolíticos, que pode reduzir o nosso acesso à China, ao Brics e a outros mercados emergentes. Aí sim estaríamos entregando a nossa alma.
Esta coluna foi escrita em parceria com André Soares, senior fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais)
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/03/2019