Adiar a reforma da Previdência para 2019 custará aos cofres públicos pelo menos R$ 177 bilhões ao longo de dez anos – ou 2,4% do PIB. Este é o montante que o governo deixará de economizar se não conseguir aprovar a proposta ainda neste ano, de acordo com estimativa do economista André Gamerman, da ARX Investimentos. O cálculo considera apenas os gastos do INSS. Segundo o especialista, não há dados suficientes para simular as despesas com servidores públicos. Por isso, Gamerman admite que sua conta é conservadora, e o impacto fiscal será ainda maior.
O plano original do governo era aprovar a reforma ainda no ano passado, mas a discussão acabou ficando para este ano por falta de apoio à medida. Agora, com dificuldade para conseguir os 308 votos necessários para fazer passar o texto na Câmara dos Deputados, já se considera não pautar a discussão em fevereiro, o que arrastaria o debate para depois das eleições, marcadas para outubro.
Diante desse cenário, o economista traçou dois cenários: um se a reforma tivesse sido aprovada no fim de 2017, como na previsão original do governo, e outro em que o texto seja aprovado no fim de 2019. Os gastos no segundo cenário, do adiamento, são maiores. Só neste ano, a diferença seria da ordem de R$ 8,5 bilhões. Nos anos seguintes, ultrapassaria os R$ 17 bilhões. E até 2027, alcançaria os R$ 177 bilhões. A conta foi feita com base em três propostas principais: idade mínima, regra de transição e limite para acúmulo de benefícios (aposentadoria e pensão), que não poderia ultrapassar dois salários mínimos.
Para Gamerman, os dados reforçam a previsão de que, se a reforma não passar neste ano, o governo terá que aprovar medidas mais duras nos anos seguintes. A bola de neve de gastos da Previdência, que só no ano passado responderam por 57% dos gastos do governo, compromete o cumprimento do teto de gastos, que impõe um limite para o crescimento das despesas.
— A reforma ideal do ponto de vista puramente fiscal, que seria sustentável, é a que o governo propôs (em 2017) — avalia o economista, que acrescenta que as concessões feitas para aprovar o texto retornarão no futuro, sob a forma de reformas pontuais. — Toda reforma que for sendo feita (nos próximos anos) será para repor o que foi tirado do projeto inicial. A que o governo propôs permitiria que o teto (de gastos) fosse cumprido durante dez anos.
Discussão ficou para o dia 19
O especialista destaca ainda um efeito secundário sobre a relação entre dívida e PIB, um dos principais indicadores observados pelo mercado financeiro. Com um rombo maior, o governo precisaria se endividar mais, comprometendo o equilíbrio:
– Será preciso gastar mais com juros, porque a dívida vai ser maior. São efeitos secundários.
O preço para os cofres públicos
O primeiro dia de retomada dos trabalhos do Congresso depois do recesso parlamentar já deixou claro que a reforma da Previdência não será mais votada na data marcada, dia 19 de fevereiro. Embora o presidente Michel Temer tenha enviado mensagem ao Legislativo ressaltando a importância das mudanças do regime de aposentadorias no país, o relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), admitiu que ainda faltam votos para aprovar o texto e tempo para consegui-los.
Diante disso, o calendário que havia sido acertado em dezembro, quando a reforma foi adiada para 2018, seria abandonado. Originalmente, a discussão da proposta no plenário da Câmara começaria ontem para que o texto fosse votado no dia 19. Mas, agora, a discussão ficou para o dia 19, com a possibilidade de votação até o final de fevereiro.
– Estamos enfrentando dois problemas graves. A falta de voto e a falta de tempo — disse o relator, acrescentando que, caso o assunto não seja resolvido na Câmara ainda este mês, pode ser enterrado em 2018: – Se não votar em fevereiro, não vota mais. Essa é minha opinião.
O relator admitiu que será preciso fazer novas concessões na proposta para que ela tenha alguma chance de aprovação. Entre as mudanças que o governo aceita fazer estão a fixação de regras mais benéficas para servidores públicos que ingressaram na carreira antes de 2003 e a possibilidade de acúmulo de pensões acima de dois salários mínimos. Segundo Arthur Maia, o importante é manter a essência da reforma, o que inclui idade mínima e “redução de privilégios” a uma parcela dos brasileiros:
– Vamos mexer no que nos trouxer votos, mas não abrimos mão de duas coisas: de uma idade mínima para aposentadoria e de diminuir os privilégios para uma parcela de brasileiros.
Em mensagem enviada ao Congresso nesta segunda-feira, Temer classificou o atual sistema de aposentadorias como financeiramente “insustentável” e “socialmente injusto”. E disse que a reforma proposta pelo governo “protege os mais pobres”. Ele instou os parlamentares a tomarem uma decisão. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), também defenderam a reforma.
– Nesse início de ano, a Câmara terá um papel muito claro: discutir a reforma da Previdência e a agenda de segurança pública. Esta é a agenda que a sociedade precisa – disse Maia, para quem a reforma não será mais votada este ano se não for aprovada em fevereiro.
“Não é uma missão impossível”, diz Marun
O presidente da Câmara tem uma agenda econômica alternativa, com temas como privatização da Eletrobras e reoneração da folha de pagamento, caso a reforma fique para 2019. Os encontros fazem parte da estratégia de deixar “o discurso vivo” até o final.
A contagem do governo mostra que ainda faltam entre 40 e 50 votos – mesmo placar de dezembro – para que o texto passe no plenário da Câmara. No entanto, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que essa “não é uma missão impossível”. Ele disse acreditar que os votos necessários podem ser conquistados este mês:
– Eu reconheço que estão faltando cerca de 40 votos, mas nós pretendemos, com o apoio dos setores lúcidos da sociedade, conquistar esses votos até o dia em que ela efetivamente for votada. E não ficará para março. Em meio à um universo de 80 a 100 indecisos, não é uma missão impossível e não é um desafio que nos assuste ou nos faça fugir.
Marun comparou o clima pré-votação a um campeonato de futebol e deixou claro que o governo concorda com novas modificações na reforma:
– O jogo está recomeçando, os times estão entrando em campo para a prorrogação. O nosso time veste a camisa do Brasil, e, por isso, tenho a certeza de que nós vamos ser vitoriosos. Nós somos um governo do diálogo. Podemos aceitar, apoiar propostas, desde que elas não firam o espírito da proposta, ou seja, estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria e o fim dos privilégios através de um único regime para todos os brasileiros — disse Marun.
Rodrigo Maia se reuniu ontem com governadores para tentar conseguir apoio para aprovar o tema. Uma das ideias discutidas foi a criação de um fundo para ajudar os estados a neutralizar o déficit dos sistemas de aposentadoria dos estados. Isso, no entanto, não garante apoio ao texto. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, disse que o rombo da Previdência do Rio está calculado em R$ 12 bilhões:
– A Câmara ainda vai elaborar o projeto. A ideia é criar um fundo para compensar os déficits dos estados (no setor da Previdência). A reforma da Previdência é com o Congresso. O presidente disse que vai colocar para votar, se tiver condições para isso.
Segundo Pezão, o Fundo teria uma cesta de recursos: ativos de empresas e receitas com a securitização de dívidas.
Fonte: “O Globo”