. Funcionários do governo federal recebem fora do país vencimentos acima do teto salarial de R$ 26, 7 mil
. Dados foram obtidos pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à Informação
BRASÍLIA – A Polícia Federal (PF) e o Ministério da Agricultura mantêm no exterior um seleto grupo de adidos que, em alguns casos, chegam a receber salários maiores do que o da presidente da República. O teto constitucional — salário máximo do funcionalismo público — está hoje em R$ 26.723,13. O GLOBO conseguiu os dados usando a Lei de Acesso à Informação. Em janeiro, o adido brasileiro da PF em Caracas, na Venezuela, Anísio Soares Vieira, recebeu US$ 18.513,12 líquidos. Convertendo para reais, e considerando que o dólar valia R$ 1,99 em 31 de janeiro último, ele ganhou R$ 36.841,11. Também bem acima do teto está o adido da PF em Roma, na Itália, Ângelo Fernandes Gioia. Ele recebeu em janeiro US$ 16.364,36 líquidos, ou R$ 32.565,08.
Outros adidos da PF ficaram acima do teto constitucional. É o caso de Emmanuel Henrique Balduíno de Oliveira, na Cidade do México; José Rita Martins Dorea, em Bogotá (Colômbia); Luiz Pontel de Souza, em Lisboa (Portugal); e Zulmar Pimentel dos Santos, em Assunção (Paraguai). Além da remuneração, os adidos da PF têm direito ao ressarcimento de residência funcional. Ao todo, foram gastos US$ 527.528,95 em 2012 com esse benefício. Em janeiro de 2013, o valor chegou a US$ 58.825,12.
Itamaraty na contramão
O Ministério da Agricultura também paga salários a adidos no exterior que estão acima do teto constitucional. No entanto, a pasta forneceu dados referentes à remuneração bruta, e não o total efetivamente pago aos servidores. Na teoria, a diferença que excede o teto pode ter sido abatida da remuneração líquida. Em novembro, quando são pagos salário e décimo terceiro, a maior remuneração bruta foi de Guilherme Antônio da Costa Júnior, adido agrícola da delegação brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suíça. Ele recebeu US$ 35.307,38 — ou R$ 75.229,43. Em dezembro, ele também foi o adido da pasta com maior remuneração: US$ 17.653,69 brutos, ou R$ 36.154,75.
Tanto a PF quanto o Ministério da Agricultura aceitaram fornecer os dados. Na contramão, o Itamaraty se recusou a repassar sua folha de pagamento por meio da Lei de Acesso à Informação. O pedido do GLOBO foi indeferido três vezes, sempre recebendo a mesma resposta, independentemente dos argumentos novos apresentados nos recursos. O Itamaraty alegou que até o final de fevereiro vai divulgar tudo no Portal da Transparência, que é mantido pela Controladoria Geral da União (CGU). Além disso, justificou a negativa informando que “os dados não estão disponíveis no formato solicitado”. Em nenhum momento, entretanto, O GLOBO pediu os dados num formato específico, limitando-se apenas a solicitar os nomes dos servidores e sua respectiva remuneração.
Divulgação deve sair até o fim do mês
Segundo o Itamaraty e a CGU, os dados da remuneração dos servidores no exterior já foram repassados de um órgão para o outro. A CGU informou que a expectativa de publicação dessas informações permanece para o fim deste mês, ou seja, deverá ocorrer nos próximos dias.
Em novembro do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu prazo de um mês ao Itamaraty para que fossem divulgados os vencimentos de pessoas a serviço em outros países. Também determinou que os salários superiores ao teto fossem cortados. Mas, no mês seguinte, o próprio TCU revogou a decisão, diante de recurso proposto pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Ele alegou falha técnica do TCU no processo e teve o pedido atendido. Apenas em janeiro, após matéria do GLOBO expondo o caso, o Itamaraty se comprometeu a divulgar a remuneração dos servidores lotados no exterior até o fim de fevereiro de 2013.
Procurado para comentar a situação dos adidos do Ministério da Agricultura e da PF, o TCU informou que não identificou qualquer trabalho de fiscalização sobre isso até agora. Assim, não poderia emitir opinião prévia. A PF informou que há problemas técnicos para a divulgação dos salários dos adidos no Portal da Transparência, mas que já estava sendo coordenada uma ação junto à CGU e ao Ministério do Planejamento para resolver o problema. A PF informou também que os salários dos servidores no exterior são calculados pela mesma lei que rege os dos diplomatas, levando em conta o custo de vida do país e a posição do servidor no órgão de origem. O Ministério da Agricultura não retornou até o momento.
O economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, avalia que, em alguns casos, pode ser necessário que o servidor lotado no exterior ganhe acima do teto. Ele cita o caso de Angola, país em que somente o aluguel pode superar os US$ 15 mil, ultrapassando o teto constitucional brasileiro. Mas ele destaca que isso é a exceção e que, na maioria dos casos, o teto é suficiente para o pagamento de todas as despesas dos servidores no exterior. Segundo Castelo Branco, casos excepcionais como o de Angola só poderão ser devidamente avaliados quando houver a divulgação irrestrita dos salários e demais custos com as representações diplomáticas brasileiras.
— Admito até que, quando devidamente justificadas, pudesse haver exceções. Mas seriam exceções. A regra é o teto. E é por isso que essas informações precisam ser divulgadas, para ver quem precisaria realmente ganhar acima do teto e em que lugares o teto é absolutamente suficiente. Isso só vai vir à tona claramente, ser analisado com a devida transparência, quando essas informações estiverem transparentes e divulgadas nos portais — diz Castelo Branco.
Cabe ao adido policial assessorar o chefe da missão diplomática em assuntos técnicos de natureza policial-judiciária e segurança pública. Ele também é responsável por atuar como contato permanente com as organizações policiais do país onde está. Ele deve ainda estudar as instituições policiais e a legislação locais com a finalidade de aprimorar as que existem no Brasil. O país tem 16 adidos policiais e 15 adidos adjuntos. Há ainda 14 oficiais de ligação, com atribuições mais limitadas.
Os adidos agrícolas, por sua vez, trabalham para defender os interesses comerciais brasileiros no setor agropecuário. Ao todo, há oito adidos do Ministério da Agricultura no exterior. O Brasil também possui dezenas de adidos militares, que assessoram as embaixadas e enviam relatórios às Forças Armadas brasileiras sobre o país onde trabalham.
Fonte: O Globo
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