Será que, nos termos de João Santana, vem aí uma “antropofagia de anões” entre os socialistas?
Comecemos pela profecia. Em “Época” na semana passada, o marqueteiro João Santana (ele diz que adora essa palavra, marqueteiro) lançou um vaticínio: “Dilma vai ganhar no primeiro turno em 2014, porque ocorrerá uma antropofagia de anões. Eles vão se comer, lá embaixo, e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo”. A frase cabalística abre o notável perfil de dez páginas que o repórter especial Luiz Maklouf Carvalho escreveu sobre esse novo gênio do marketing político no Brasil, responsável pela eleição de muita gente que está aí mandando – a presidente Dilma Rousseff, inclusive. Ah, sim: os “anões” são Eduardo Campos, Marina Silva, Aécio Neves e, pelo sim, pelo não, José Serra inclusive.
Agora, os fatos. Dias depois de se filiar ao PSB, Marina Silva começou a dar declarações ambíguas que confirmam (e muito rapidamente) as projeções de Santana. Recapitulemos. O PSB tinha como candidatíssimo único à Presidência da República o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Ao pedir registro no partido de Campos, Marina parecia investir num gesto de humildade: abriria mão de sua própria candidatura e até aceitaria figurar como vice de Campos na chapa do ano que vem. Agora, diz que tanto ela como Campos são possibilidades abertas.
Conclusão: está posto o impasse onde não havia impasse algum.Vem aí uma disputa interna no PSB – ou, nos termos de Santana, vem aí uma “antropofagia de anões” entre os socialistas.
Prosseguindo com os “anões”, também o modo como Serra permaneceu no PSDB carrega o horizonte de mais ambiguidades. Ele apoiará mesmo Aécio Neves? Ou ainda pelejará para encabeçar a chapa tucana?
Longe das “antropofagias”, Dilma vai recuperando os bons índices de popularidade que perdera com as manifestações de junho – como, aliás, o próprio João Santana previra. Eles se sentem à vontade com seus diagnósticos de futurólogo. No perfil publicado por “Época”, Santana aparece como alguém dado a espiritualidades e fala como adivinho, senhor das premonições. Ao mesmo tempo, ninguém mais pragmático que ele. Santana funciona, ganha eleições e instala seus clientes no “Olimpo”.
O termo Olimpo, morada oficial dos deuses gregos, pode soar meio brega, mas vem a calhar. A relação entre a política e os poderes mágicos existe desde sempre e foi particularmente intensa na Grécia clássica. Tirésias, personagem mitológico da cidade de Tebas, era o adivinho preferido dos reis. Na hora do aperto, ou os poderosos acorriam ao oráculo, ou, se fossem de Tebas, mandavam chamar o velho Tirésias. Mais ou menos como Dilma vem fazendo com Santana, cuja influência sobre o gabinete presidencial é sabidamente maior que a da imensa maioria dos ministros de Estado.
Ele fala como quem tem parte com o Olimpo. Seu saber, contudo, nada tem de mitologia grega. É o saber de um marqueteiro. Principia pela arte da criatividade publicitária (o engenho agressivo de vender mercadorias), passa pela ciência das pesquisas de opinião e de consumo (pelas quais se adivinha o que o eleitor gostaria de “consumir” no “mercado” da política eleitoral) e culmina com a, digamos,“inteligência estratégica”, na gestão da imagem dos políticos dentro desse tabuleiro sempre instável da sociedade do espetáculo.
Figuras como ele são a prova de que hoje a política se reduz a uma atividade de marketing. Esqueça os antigos ideólogos, aqueles que, nos séculos XVIII e XIX, formulavam doutrinas, sintetizavam princípios, concebiam novas formas de organização social. Esses aí já eram, estão extintos. No lugar deles, vieram os marqueteiros. Um programa de política social é pensado antes como marca de fantasia, só depois como projeto de lei. O logotipo de uma política pública é mais decisivo para seu sucesso que sua engenharia jurídica.
Não por acaso, o gasto público que mais aumenta no Brasil, desde a ditadura militar, é o gasto com propaganda de governo. Governar, que já foi sinônimo de fazer obras, é hoje sinônimo de fazer propaganda. Por isso mesmo, as empreiteiras, a quem os governos recorrem para fazer obras, vêm perdendo prestígio para as agências de publicidade, a quem os governos convocam para fazer propaganda. Para o bem e para o mal. Antes, as empreiteiras eram o símbolo máximo da promiscuidade entre o público e o privado. Agora, até escândalos de corrupção têm como protagonistas algumas agências de publicidade. Vide o mensalão. O marketing assumiu o centro de todos os governos – para o bem e para o mal, vale repetir.
Aos pés do marqueteiro, portanto, a crendice dos políticos se ajoelha.
Fonte: Época
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