A companhia Martini & Rossi resolveu, ali pela metade dos anos 1970, valer-se das restrições que o governo brasileiro impunha às importações de vinho para produzir no Brasil uma bebida que não fosse vendida em garrafões de 5 litros, e sim em garrafas de 750 ml.
Seria a primeira tentativa de ocupar o espaço até ali cativo do vinho importado, que chegava ao Brasil a preços astronômicos.
A empresa, então, contratou na cidade argentina de Mendoza o enólogo Carlos Gonzáles, que logo se dirigiu aos vinhedos do Rio Grande do Sul para selecionar as uvas com as quais faria seu trabalho. Gonzáles assustou-se ao se dar conta de que os vinicultores brasileiros desobedeciam os procedimentos mais elementares.
Para começar, poucos se davam ao trabalho de dividir as parreiras conforme a variedade da uva. Na maioria dos casos, Cabernet Sauvignon, Merlot e outras uvas viníferas eram plantadas e colhidas misturadas com cepas de mesa.
Mesmo com contratempos dessa natureza, o projeto avançou e o resultado foi um vinho chamado Chateau Duvalier.
A despeito de sua qualidade, que sempre deixou a desejar (afinal de contas, Gonzáles era apenas um enólogo, não um milagreiro), o Château Duvalier chegou a ser exportado. Para o Haiti – e só para o Haiti.
É que o ditador do país, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, adorava o nome do vinho. De qualquer forma, foi a primeira vez que um vinho brasileiro foi exportado – o que, certamente, encheu a indústria nacional de orgulho.
Essa história mostra, pelo lado grotesco, a absoluta falta de tradição brasileira numa indústria mais do que centenária em países como Argentina, Chile, Espanha, França, Itália e Portugal.
Ela é relembrada aqui como uma homenagem aos defensores da ideia de sobretaxar a importação de vinhos para estimular a indústria nacional. Por pressão dos produtores e dos políticos gaúchos, essa estupidez está cada vez mais perto de virar realidade.
Aqui entre nós: se a estultice prosperar, o governo fará uma péssima escolha. Prejudicará dezenas e dezenas de importadores, lojistas, donos de restaurantes e consumidores em nome da oferta de proteção a meia dúzia de produtores incapazes (no que diz respeito aos vinhos tintos) de garantir a qualidade de seu vinho.
É lógico que tradição não é o único pré-requisito para a produção de vinhos de qualidade – e que há exemplos de indústrias vinícolas que floresceram com base em trabalho, condições naturais favoráveis, pesquisas e na persistência dos empreendedores.
Assim, países como Austrália, África do Sul e Estados Unidos tornaram-se competitivos no mercado internacional sem a necessidade de fechar seus mercados para o produto importado.
Mesmo no Brasil, há casos de sucesso. Os espumantes nacionais melhoraram e tornaram-se competitivos sem a necessidade de proteções artificiais.
O Brasil precisa, sim, de uma política capaz de proteger sua indústria da concorrência predatória de países que se valem de práticas desleais para crescer no mercado. Mas esse não é o caso dos vinhos estrangeiros que, de um modo geral, são apenas melhores do que os brasileiros.
Prejudicar o mercado só para proteger uma indústria ineficiente, caso isso se torne realidade, será uma bobagem de todo tamanho.
Fonte: Brasil Econômico, 21/03/2012
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