Certo dia do final de um ano qualquer estive numa reunião numa grande capital do Sul do Brasil que definiria o tema do curso de mestrado em Direito que íamos criar numa faculdade privada de Direito. Meus colegas eram majoritariamente de “esquerda”; mas dessas “esquerdas” nas quais se inseriam um rico advogado que atendia ao partido que governa o Brasil (o do mensalão), a sindicatos e aos fundos de pensão manipulados por estes; e seu sócio, um empresário da educação que, também “esquerdista”, trafegava nas ruas com seu Porsche azul escuro rebaixado.
Recém-chegado de Paris – onde existe até hoje uma “esquerda” mais empobrecida –, pensei eu jocosa e silenciosamente: “retratos da ´nova esquerda´ brasileira.Que bom!?!”.
Apesar da vida nababesca que levavam os presentes naquele encontro, em seus ativismos ideológicos eles se identificavam como defensores das políticas praticadas nos governos do mensalão (Brasil), de Chavez, de Kirchner, de Morales, de Castro e deAhmadinejad. No escritório – chiquérrimo – de um deles, havia inclusive fotos de suas visitas em Cuba e o tradicional – e surrado – cartaz contendo a foto de Che Guevara tirada por Alberto Korda. É claro: via-se também uma foto de Lula. Neste escritório, pensei quietinho novamente: “o que é a ´esquerda´ hoje em dia”?
Naquela reunião aludida no parágrafo inaugural, lembro que tínhamos de definir o tema sobre o qual versaria o mestrado em Direito a ser criado. Era o nosso primeiro contato. A minha fala inicial na reunião foi a seguinte: “Acabei de conversar em Lisboa com o professor Canotilho – junto com Jorge Miranda, um dos mais importantes juristas de nossa língua – e na opinião dele os nossos cursos de mestrado e doutorado em Direito no Brasil têm tratado do assunto direitos humanos de modo leviano e cheio de ideologias superadas que trafegam entre o “esquerdismo” e o “direitismo” exacerbados. Direitos humanos é uma temática que, caso seja apresentada como mote de criação de um mestrado, tem que ter um ´plus´, e o ´plus´ que indicamos é que os mestrados e doutorados em Direito no Brasil passem a falar de direitos humanos desde que se conjugue este assunto com outro capital: a democracia”. Gostaram os meus colegas desta minha intervenção debutante provavelmente porque eu trazia uma opinião da moda, a de Canotilho. Então continuei: “mas precisamos definir entre nós, sem quedas ideológicas para um ou outro lado, o que são os direitos humanos e o que é a democracia”. E, em seguida, pronunciei a frase bombástica: “por exemplo, não podemos dar aulas de direitos humanos e de democracia defendendo a hipótese de uma Cuba ser democrática e numa Cuba haver respeito pelos direitos humanos”.
Antes mesmo de efetivar-se a assinatura de meu contrato, quase fui demitido por causa desta última frase.
Três meses depois, o mestrado estava criado (recomendado pela CAPES) e o seu título geral escolhido foi “Mestrado em direitos humanos e democracia”.
Pois bem, para poder desenvolver o meu raciocínio, passarei a chamar respeitosamente os “esquerdistas” que estão no poder de “esquerdistas porschistas” (de Porsche, o carro).
Os “esquerdistas porschistas” dizem que foi o partido do mensalão quem colocou o Brasil em posição de destaque internacional. Respondo eu: mentira! Quem pôs o Brasil nos trilhos do desenvolvimento foi um programa chamado Plano Real, criado por meio de medida provisória assinada pelo então mandatário da nação, o presidente Itamar Franco, e por seu ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, assessorados por economistas da PUC do Rio de Janeiro e da FGV de São Paulo – assessoria esta que permanece intacta até os dias atuais. Sabendo-se desta verdade, então pergunto aos “esquerdistas porschistas”: os senhores ainda chamam Itamar e FHC de reacionários de direita?
A propósito, o outro fator que colocou o Brasil no cume da política e da economia internacionais foi o simples fato de terem entrado – e continuado – em crise as grandes economias do mundo, quais sejam os EUA, a União Europeia e o Japão. E, como sabemos, tanto na física, quanto na política e na economia, quando uns caem, outros devem subir para ocupar os lugares dos que tombaram. E quem haveria de subir? Ora, os BRICS – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul por seus tamanhos, suas populações gigantescas, seus recursos naturais, suas potencialidades de mercado e, no caso específico brasileiro, por que em solo nacional tiveram a coragem de implantar uma política econômica voltada à prosperidade, ao desenvolvimento e à liberdade, tudo isso significando: menos Estado!
Portanto, em vista do que disse acima, é de se perguntar: O que é hoje ser “de esquerda”? E o que é hoje ser “de direita”? A resposta é: nada! Ser “de esquerda” não é nada! Tampouco ser “de direita”, não é nada! As palavras que estão na ordem do dia são liberdade, democracia e desenvolvimento sustentável, e isso não é programação “de direita”, muito menos “esquerdista porschista” – aliás, os “esquerdistas porschistas” são uns ludibriadores, obtusos e teimosos que, apoderando-se de uma política econômica que não é a deles (de origem), cantam loas o tempo todo a dizer que “salvaram o Brasil”. O mérito deles é um só: terem permitido continuação ao Plano Real (mas lembrem-se que na época da criação deste programa socioeconômico os “esquerdistas porschistas” expulsaram Luiza Erundina do partido do mensalão porque ela se tornou ministra do governo criador do Real).
Pois bem, no que se refere ao assunto economia, “esquerda” e “direita” brasileiras merecem aplausos porque adotaram a mesma cartilha, e fizeram certo – graças aos pais do Real: Itamar, como presidente; FHC, como ministro; e bons tecnocratas das instituições já citadas. Hoje temos o seguinte quadro: Itamar morreu ridicularizado tanto pela “esquerda” quanto pela “direita”; FHC foi demonizado até por seus partidários (por exemplo, Serra, em suas campanhas, jamais deu ao Real o valor que merecia); ficaram, sim, os ideais do Real e os seus bons tecnocratas na condução do plano que verdadeiramente propiciou ao Brasil pegar o bonde de desenvolvimento da história junto com os outros BRICS.
Frase final: em economia, não há mais no mundo nem “esquerda” e nem “direita”.
Já no campo da democracia e dos direitos humanos, o que foi dito no parágrafo anterior não é verdadeiro, e para constatar isso basta acompanhar as condutas dos governos atuais do Brasil (Lula e Dilma), da Argentina, de Cuba, da Venezuela, do Chile, da Bolívia e do Irã. Nestes países, não tem havido respeito por parte dos governos à liberdade de imprensa, à liberdade de expressão, à liberdade de opinião, à liberdade plena de iniciativa e propriedade privadas, ao estado de direito e à democracia popular direta. Provam, no Brasil, a falta de noção de estado de direito, as falas do ex e dos atuais presidentes da Câmara dos Deputados quando afirmaram que “nada fariam contra os mensaleiros condenados pelo STF e que a responsabilidade pela cassação de seus mandatos era da Câmara”, esquecendo-se tais demagogos ignorantes – ou mal intencionados – que é regra do Código Penal brasileiro existente desde os anos 1940 as perdas dos direitos políticos dos condenados criminalmente como reflexos das penas imputadas pelo Judiciário: ou seja, João Paulo Cunha e “companheiros” perderam os seus mandatos automaticamente ao perderem os seus direitos políticos em virtude das condenações criminais a que foram submetidos em julgamento pela Suprema Corte nacional.
Sobre direitos humanos especificamente – para findar este artigo –, cumpre-me denunciar que, ad principium, há uma confusão terminológica – bastante agravada pela doutrina brasileira – na compreensão das seguintes expressões (dentre outras): direitos humanos, direitos fundamentais, direitos do homem, direitos humanos fundamentais, liberdades públicas, direitos individuais, civil rights, direitos sociais etc…
Atribuo à confusão terminológica acima demonstrada à vontade egoística de autores – principalmente os “esquerdistas porschistas” – que, ao perceber que um chamou tal coisa com a expressão X, para deste se diferençar então inventa a expressão Y que, ao final e ao cabo, quer dizer exatamente a mesma coisa que X.
Macarrão ou macarronada? Macaxeira ou mandioca? Estojo escolar ou penal (no Paraná!)? Todas essas palavras expressam a mesma coisa. Na semiótica isto se resolve pelo olhar da significação. Explicam os semióticos que significação é algo maior que o simples significado de algo. Por exemplo, antes de me utilizar da expressão macaxeira, eu tenho memorizados desde minha tenra idade alguns elementos deste objeto da culinária brasileira, e portanto chego a sentir o paladar da raiz em minha boca, a cor dela, seu cheiro, o gosto dela cozida, assada ou frita, e todos os elementos constitutivos do que é macaxeira (ou mandioca, o nome não interessa).
Portanto, o que são os direitos humanos (ou direitos fundamentais etc…)? Como no caso da macaxeira, deve-se buscar a fundo a significação do que a expressão quer dizer (ou as expressões querem dizer, no caso de quererem dizer a mesma coisa, tese que defendo). Utilizar-me-ei da expressão mais em voga atualmente: direitos humanos, e tudo o que eu disser aqui acerca de direitos humanos também valerá para as expressões genéricas que lhe são sinônimas – aquelas que assim eu apontar.
Há diferenciações que não foram feitas à base do egoísmo editorial, mas sim pela diversidade de origem. Na Alemanha do século XIX houve doutrina que preferia Direitos Fundamentais porque isso lhe parecia bom como termo, e não porque necessariamente queria se diferenciar da França ou dos EUA (inclusive tendo os alemães pouca informação sobre esses países). E ainda que quisesse tal doutrina tedesca destacar uma diferença, esta diferença seria de cunho político pelo monarquismo etc… Perez Luño retrata essa diversidade de origens.
Uma definição lógica que foge dos “esquerdismos” e dos “direitismos” por se apegar ao cientificismo: direitos humanos são as normas jurídicas contidas em regras, princípios e costumes, escritos ou não – mas que tenham sido positivados pelo Estado ou pela comunidade política internacional – que salvaguardam o indivíduo e a coletividade em face da atuação do próprio Estado, da própria comunidade jurídica internacional organizada e até dos particulares. Destarte, querem dizer exatamente o mesmo as expressões direitos fundamentais, direitos do homem e direitos humanos fundamentais.
Ficam, portanto manifestadas algumas opiniões de ciência do direito e de ciência política sobre alguns acertos e erros no uso das expressões “esquerda”, “direita”, direitos humanos e democracia.
Querido professor Alexandre Coutinho Pagliarini, seu artigo é fantástico e tirou um monte de “minhocas” de minha cabeça. Diga-me: a posição que o senhor adota difere daquela de Pedro Lenza, por quê? Obrigado, mestre!
Este é um texto que esclarece o quanto são vazios os discursos do PT e do PSDB. Ótimo!
Texto brilhante,oportuno e de leitura, e reflexão, obrigatórias!
Parabéns,Professor!
Segundo a história, esquerda e direita iniciou no período pré revolução francesa, sendo esquerdas o terceiro estado, os jacobinos, chamados “pobres”, profissionais liberais, e a burguesia.
Portanto, um pouco de reflexão histórica nos fará ver que a burguesia nacionalista esta inserida como esquerda.
Pergunto ao Alexandre Pagliarini: é possível haver democracia sem que o Estado respeite as liberdades e os direitos humanos em geral? Merci beaucoup. Alda
Lula de esquerda? Nunca! FHC de direita? Nunca! Lembrem-se que vivemos no país onde os seringueiros do Estado do Pará e as empregadas domésticas foram incluídos na própria Carta Magna. A propósito: Pagliarini, use o seu conhecimento constitucional e político para nos explicar o quanto é ridículo sermos donos de uma Constituição tão dirigente que chega ao cúmulo de regrar situações de domésticas e de seringueiros. Responda Pagliarini: por que nossos constituintes não se lembraram dos sapateiros do Braz e dos pipoqueiros da Cinelândia?
Brilhante.
E por falar em democracia, a nossa está nas mãos dos pseudo-socialistas populistas e da mídia de massa. Democrático, não ?
Eu sei de qual instituição de ensino curitibana o prof. Alexandre Pagliarini está falando, e é verdade: os donos são “esquerdistas jaguaristas” – daqueles que de pobres não têm nada -, e o discurso em favor dos direitos sociais deles é uma farsa. Parabéns Alexandre!
Reli o texto e ele é bom “pra caramba”, mesmo!
Ainda bem que alguém neste país fez justiça ao presidente Itamar Franco, um político ético. Ótimo texto!
Sou amiga pessoal das filhas de Itamar e vou lhes indicar este site e este texto. Que coragem do Millenium e do jovem escritor.
Maria, minha doutrina difere do que esquematiza Pedro Lenza, sempre. Faço doutrina, jamais esquemas. Je pense, donc je suis. Obrigado.
Acabei de opinar num outro artigo do Pagliarini. Quanto ao que ele diz aqui neste texto sobre “esquerda” e “direita”, olhem só: FHC era de uma esquerda moderada, mas o mercado o seduziu. Lula era de uma esquerda mais radical e sindicalista, mas a Avenida Paulista também o seduziu. De fato, “já era!” o tempo em que se falava em esquerda e em direita. Questões nucleares fundamentais voltadas ao lucro aproximaram esquerda e direita no mesmo atlas. Tudo convergiu ao centro! Tomara mesmo que desenvolvimento e direitos humanos sigam o mesmo rumo e se tornem convergentes em favor do indivíduo e da coletividade, respeitando-se o tripé da Revolução liberal Francesa (liberté, égalité et fraternité).
Parabéns, pelo presente artigo Prof. Alexandre, e também à Millenium por nos oportunizar um texto de elavado nível, nos fazendo “enxergar” nossa lastimável realidade política.
Não há democracia sem liberdade de imprensa. No Brasil atual, “los hermanos” do governo federal querem calar a boca da imprensa.
Parabéns, o texto foi bastante esclarecedor.