Em maio deste ano, o Ibre publicou um livro intitulado “Anatomia da produtividade no Brasil”, que Regis Bonelli, Fernando Veloso e eu organizamos (Editora Elsevier). O livro faz um amplo diagnóstico do desastroso desempenho do país nessa área: alta média anual de 0,2% da produtividade do trabalho entre 1980 e 2017. O que explica porque nesse período nossa renda per capita aumentou ao ritmo de 0,7% ao ano.
Mantido esse ritmo, só daqui a cem anos teremos um padrão de vida próximo ao que Portugal tem atualmente. Muito antes disso voltaremos a ser um país pobre, no sentido de que a maioria da população mundial estará vivendo em países com renda per capita maior que a nossa. Como mudar esse quadro? O livro mostra que não há bala de prata: há inúmeros problemas a resolver, da tributação à estruturação de projetos de infraestrutura.
Creio, porém, que poderemos avançar se focarmos nossa agenda de produtividade em uma ideia central: o Brasil precisa criar mais ocupações em que os trabalhadores possam ser mais produtivos. Ou, colocado de forma reversa: nossa produtividade é baixa pois a maioria dos trabalhadores brasileiros só consegue ocupações intrinsecamente de baixa produtividade. Em especial, ocupações em unidades econômicas de baixa escala, pouco capital, pouca tecnologia e má gestão.
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A escassez de bons postos de trabalho ajuda a explicar um dos nossos paradoxos: o de a escolaridade média do trabalhador brasileiro ter mais do que dobrado nos últimos três decênios, com pouco impacto sobre sua produtividade. Isso ocorreu, em parte, porque muitos trabalhadores acabaram em ocupações em que essa educação adicional pouco importava. Me refiro aqui a engenheiros que são motoristas de táxi, advogadas que trabalham como secretárias etc.
Chegamos a esse ponto porque nossas políticas de promoção da produtividade focaram no alvo errado e porque não criamos um ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento empresarial, mas também de forte competição.
Um erro exemplar são as políticas que privilegiam certos setores da economia, em detrimento de outros. Como se mostra no “Anatomia”, o problema não está na estrutura setorial da força de trabalho, mas em a produtividade ser baixa em todos os setores. Em todos precisamos mover trabalhadores ocupados em unidades econômicas de baixa produtividade para postos de trabalho de alta produtividade.
Em outro livro do Ibre (“Causas e consequências da informalidade no Brasil”), Fernando H. Barbosa Filho e Fernando Veloso mostram que isso ocorreu em 2003-09, quando houve uma alta mais forte da produtividade: 87% desse aumento veio de transferir trabalhadores de empresas informais para outras formais dentro do mesmo setor. Pense em trabalhadores que passam da construção de casas em favelas para a de prédios em grandes construtoras.
A maior produtividade do setor formal tem estimulado políticas de formalização de empresas e trabalhadores. O Brasil gasta dezenas de bilhões de reais nessas políticas anualmente. São exemplos o Simples e o MEI. Ocorre que não é conceder um CNPJ ou uma carteira de trabalho que vai elevar a produtividade de uma ocupação. O que torna as empresas produtivas, repito, são escala, capital, tecnologia e gestão. Empresas que têm essas coisas são quase sempre formais, mas isto é consequência, não causa.
Enquanto gastamos muito com as coisas erradas, falhamos em criar um ambiente que favoreça o surgimento e expansão de empresas que oferecem postos de trabalho produtivos. Os problemas me parecem especialmente críticos em cinco áreas.
Primeiro, o custo de capital é muito alto no Brasil, o que limita o investimento. Isso se deve a termos uma política fiscal sistematicamente expansionista. Sem mudar isso, dificilmente nossa produtividade crescerá mais rápido. Segundo, nossa estrutura tributária é um desastre, levando ao desperdício de recursos e reduzindo a rentabilidade do capital. Precisamos de uma tributação produtivamente mais neutra.
Terceiro, a economia brasileira convive com muita insegurança jurídica. Isso vale para a política tributária, para regulações diversas e para a atuação do judiciário. Tudo isso eleva o risco de empreender, desestimula o investimento e prejudica quase todo mundo. Quarto, há muita corrupção na atividade econômica, como mostram a Lava-Jato e levantamentos como o “Global Competitiveness Report”, onde o Brasil aparece sempre entre os últimos colocados em “comportamento ético das empresas”.
Por fim, é preciso aumentar a competição, para mitigar problemas de seleção adversa (a sobrevivência de firmas ineficientes) e risco moral (a falta de incentivo à inovação empresarial). Isso passa por integrar mais o Brasil à economia mundial, mas também por reorientar as políticas públicas em geral, que volta e meia resvalam para o fetiche da criação pelo governo de “campeões nacionais”.
É uma agenda difícil, com certeza. Mas não a enfrentar é condenar o país ao atraso. Vai ajudar se evitarmos investir no que não ajuda e focarmos no que importa: ter uma maior proporção de trabalhadores em ocupações mais produtivas.
Fonte: “Valor econômico”, 06/10/2017.
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