Tenho defendido, ao longo dos anos, uma agenda de reformas previdenciárias focada na necessidade de o país rever alguns “tabus” que regem o tema das regras de aposentadoria, com destaque para a importância de adotar uma idade mínima e de rumar na direção da convergência de requisitos entre gêneros e entre as exigências para os benefícios urbanos e rurais.
No momento, aparentemente, está começando a “cair a ficha” acerca do tema. Ao mesmo tempo, vivemos um contexto político delicado. Em tais circunstâncias, cabe não perder de vista que, paralelamente aos temas que exigem tratamento mediante uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), há um importante conjunto de pontos que poderiam compor o que se poderia denominar de “agenda infraconstitucional” de reformas e que seriam menos complicados de aprovar no Congresso Nacional. Estas breves notas destacam cinco deles. São questões que poderiam ser apresentadas em paralelo a uma PEC, com chances de ser objeto de um tratamento mais rápido pelo Parlamento.
O primeiro ponto seria o aumento do período contributivo de quem se aposenta por idade. O Brasil dispõe de duas modalidades de aposentadoria: idade e tempo de contribuição. Quem o faz pelo primeiro mecanismo, porém, tem também que obedecer a certa exigência contributiva, o que é óbvio, pois caso contrário ninguém contribuiria e as pessoas se aposentariam sem nunca ter contribuído para tal. A benevolência histórica do Brasil é tamanha que, quando a regra foi instituída, em 1991, a exigência era de apenas 5 anos, parâmetro que é simplesmente ridículo. A partir de então, ela foi aumentada em seis meses por ano, completando-se a transição em 2011.
O único problema daquela escala é que ela travou em 15 anos, número mais razoável do que o original, mas ainda modesto. A proposta seria então retomar exatamente a mesma velocidade de elevação da exigência nos mesmos seis meses por ano, até chegar a 25 anos de requisito de tempo de contribuição para se aposentar por idade, depois de uma transição de 20 anos, algo bastante potente no sentido de reduzir despesas e aumentar receitas do sistema. O segundo ponto de uma reforma infraconstitucional seria a mudança da regra de concessão das futuras pensões. Quando se compara o Brasil com o resto do mundo, é nas pensões que se observa uma das maiores diferenças entre o que o Brasil gasta com Previdência, face ao que se verifica nos demais países. O ex-ministro Joaquim Levy tentou aprovar uma regra restritiva em 2015, mas a sua proposta de reforma foi abatida em pleno voo, por iniciativa do próprio relator da proposta, por incrível que pareça do partido da – na época – presidente da República, Dilma Rousseff.
Agora, em outro contexto político, seria possível retomar a iniciativa. A ideia seria que as futuras pensões fossem de 50 % do benefício original, mais um adicional de 25 % por filho menor, até o limite do benefício original e preservado o valor do piso previdenciário. O impacto da medida ao longo do tempo seria relativamente importante.
O terceiro ponto da agenda seria reformar ou, idealmente, revogar, a chamada “Lei do 85/95”. Trata-se de um completo equívoco, aprovado em 2015, no contexto da discussão da chamada “pauta bomba” e quando Dilma Rousseff se encontrava em posição de extrema fragilidade, tendo que fazer todo tipo de concessões. Essa medida aumentou a despesa previdenciária, fato que levou o valor real das concessões de aposentadoria por tempo de contribuição a dar um salto da ordem de 15 % depois da sua vigência, aumentando ainda mais o peso das despesas do INSS. Essa lei deveria ser simplesmente revogada ou, pelo menos, substancialmente modificada, ampliando consideravelmente as exigências para que o beneficiário possa ser dispensado da incidência do chamado “fator previdenciário”.
O quarto ponto poderia ser a aprovação de uma lei igualando a variação do salário mínimo e do piso previdenciário à variação do INPC entre 2019 e 2027, pelos próximos dois períodos de governo. Embora eu pessoalmente seja favorável à desvinculação entre esses dois conceitos, o vínculo é matéria constitucional que, para ser modificada, requer que seja feito todo o périplo associado a uma PEC. A aprovação por Lei tiraria o tema de pauta pelos próximos 10 anos, com a enorme vantagem de exigir quórum simples, algo que o governo Temer não deve ter dificuldades de obter.
Por último, a quinta medida se relaciona com os temas aqui discutidos e consiste na modificação da regra de acesso ao benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Quando a Lei 8742 do Loas foi aprovada em 1993, a idade de concessão do benefício era de 70 anos. Desde então, a expectativa de sobrevida aos 65 anos aumentou em 5 anos, mas a exigência de idade diminuiu em 5, sendo hoje de 65 anos. O divórcio entre as duas tendências salta aos olhos. Diante disso, a proposta, relativamente óbvia, é retornar ao parâmetro inicial de 70 anos ao longo de uma transição de 10 anos.
Fonte: “Valor econômico”, 10 de agosto de 2016.
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