Um artigo do ex-presidente FHC na imprensa na semana passada, “O ponto a que chegamos” (7/6, OESP), chamou atenção pelo diagnóstico contundente. Para ele, “os brasileiros se sentiam frustrados pelas oportunidades perdidas”. O que havia sido penosamente construído nos anos 90, ou seja, o Plano Real, a reorganização do Estado, a universalidade dos serviços, se perdeu por “desmesuras”. As esquerdas, há 12 anos no poder, rumaram por um caminho desconhecido, para ele, um despropósito.
Descaminhos – No governo Lula, pela necessidade de manter a governabilidade, baseada no velho modelo de coalizão (ou, segundo ele, de cooptação), os escândalos de corrupção acabaram se espalhando. O país perdeu o rumo até chegar à crise na qual vivemos atualmente. Sem erro, digamos que esta foi fruto da teimosia de alguns luminares da área econômica que, ao “rasgarem” o tripé de sustentação do processo de estabilização – câmbio flutuante, disciplina fiscal e sistema de metas -, tentaram “reinventar a roda”, através de um modelo teórico baseado no “desenvolvimentismo dos anos 70”, a “nova matriz macro”. Adotaram medidas exóticas ao bom senso econômico, como reduções forçadas de tarifas de energia e juro, represamento da tarifa de combustível, isenções e desonerações fiscais variadas, “pedaladas” (adiamento de despesas), dentre tantas. A partir daí, o estrago acabou inevitável. Depois de obter um superávit primário de 3,1% do PIB em 2011, a deterioração fiscal foi num crescente até fechar 2014 com saldo primário negativo em 0,6% do PIB.
Virada? – Neste ano de 2015, depois da posse da presidente Dilma, uma nova equipe econômica assumiu com o compromisso de um “freio de arrumação” na economia e a superação desta “herança maldita”. O tripé de política econômica, perfeita obra de engenharia do governo FHC e mantido no ciclo lulista, foi sabiamente resgatado. Os regimes cambial, fiscal e monetário foram sendo reorganizados no esforço de tentar resgatar a confiança da política econômica. Foram anunciadas metas fiscais possíveis (talvez insuficientes) de superávit primário de 1,2% do PIB (ou 1,13%, depois da revisão metodológica do PIB) para 2015, elevada a 2% no ano seguinte, e medidas foram anunciadas no esforço de tentar estabilizar a dívida pública a acalmar as agências de rating. Dentre as anunciadas, novas alíquotas de imposto, um pacote de R$ 69 bilhões e agora, para tentar reverter o ajuste de demanda necessário, um pacote de concessões para impulsionar os investimentos. Foram anunciados R$ 198 bilhões em concessões para estradas, ferrovias, aeroportos e portos. Chamado Plano de Investimentos e Logística (PIL) foi orçado para os próximos anos em duas fases: entre 2015 e 2018 mobilizando R$ 69 bilhões e a partir de 2019 com R$ 129 bilhões.
E agora? – É possível vislumbrar uma virada de ânimo dos investidores e empresários, maltratados nestes quatro anos do primeiro mandato da Dilma? Vivemos um período de transição para depois haver uma virada e a retomada da economia?
São indagações que todos se fazem neste momento. Que o ministro Levy está tentando imprimir um novo ritmo na execução das políticas econômicas isto não resta dúvida, mas são tantos os “buracos no meio do caminho”. Na semana passada, no malfadado e anacrônico 5º Congresso do PT, ao mesmo tempo em que a presidente discursava, defendendo a manutenção dos gastos das famílias, o BACEN anunciava, na sua ata do Copom, a necessidade de manter a “perseverança e a determinação” no combate à inflação e na perseguição do centro da meta, a 4,5% em 2016. Enquanto este documento primava pelo pragmatismo e acertado diagnóstico sobre o “estado da economia”, no congresso do PT a retórica populista era regra. Afinal, qual é o discurso do governo? O da disciplina fiscal e monetária do ministro Levy, considerado neoliberal, ou o “populismo irresponsável de alas do PT”?
Transição – Realmente, vivemos uma complicada transição. O ajuste é duro e, por estudos no mercado, insuficiente. Ainda faltam R$ 30 bilhões para ser bem-sucedido. O problema é que boa parte destes (0,6% do PIB) terá que vir das receitas, ou de “outras medidas adicionais com efeito positivo na arrecadação”. Neste contexto, já se fala em contribuições sobre serviços, para compensar as perdas dos Estados com a reforma do ICMS, de estímulos legais para os brasileiros repatriarem recursos do exterior e de estímulos na redução de débitos, como o “Refis”. Fala-se também sobre a possibilidade de taxação sobre grandes fortunas, do retorno da CPMF, de taxação sobre ativos, etc. Parte destas medidas, no entanto, parece de difícil aprovação, dada a já excessiva carga fiscal existente.
Retomada – Sobre o horizonte de retomada da economia, um “novo modelo de crescimento” precisa ser pensado, mesmo sem deixar de lado o debate em torno da “distribuição de renda”. Achamos, por outro lado, que este crescimento só é possível, e sustentável no longo prazo, se vier com o aprofundamento das tão sonhadas reformas estruturais.
Diagnóstico– Numa linguagem mais macro, a ordem aqui é reverter a dependência aos excessos do modelo baseado no consumo, que só gerou insuficiência de poupança doméstica, aumento da externa e desbalanceamento entre oferta e demanda. E depois tentar buscar o equilíbrio fiscal, a abertura dos mercados, visando o barateamento dos bens domésticos, pelo aumento da competição, e um esforço concentrado na melhoria do ambiente de negócios, menos burocracia, intervenção do governo e corrupção. Um estudo do Fórum Mundial, divulgado recentemente, afirmou que o Brasil se encontra em 120º posição dentre os 144 países analisados no que se refere à qualidade da nossa infraestrutura. Só este estudo já seria suficiente para um “repensar sobre o modelo que queremos para o país”. Outro estudo indica que a taxa de investimento em infraestrutura no país recuou neste ano a 1,7% do PIB, mesmo patamar de 10 anos atrás.
Investimentos – Nos últimos anos, a participação destes investimentos no PIB vem desacelerando. Estavam em 2,1% do PIB em 2013 e recuaram a 1,9% em 2014. Sobre o pacote de concessões, os investimentos só devem deslanchar no transcorrer de 2016, dado as licitações, licenciamentos, estudos de viabilidade, mobilização de financiamentos, autorização, etc. Estimativas indicam que devem chegar a 1,9% em 2016, com importante “efeito multiplicador” sobre a economia. Já a taxa de investimentos agregada (FBCF), em relação ao PIB, em torno de 20% no final de 2014, deve recuar ao fim deste ano a 18,5% e só reagir em 2016, desde que as medidas fiscais e as concessões logrem êxito. Estudos indicam que para o país ingressar num novo ciclo de crescimento, com o PIB crescendo acima de 4%, a FBCF precisa se elevar a 24% do PIB. Não será uma tarefa nada fácil, dadas as dificuldades atuais.
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