A pandemia do novo Coronavírus reforçou a importância que o agronegócio tem para o país. Além de abastecer o mercado interno, o setor é fundamental para a economia no que se refere às exportações. Mesmo durante a crise gerada pela Covid-19, as vendas para outros países não pararam. Esse sucesso, no entanto, não está atrelado apenas às condições naturais que o país oferece. Em entrevista ao Instituto Millenium, o especialista em marketing para o agronegócio e colunista do canal Terraviva, José Luiz Tejon, explicou que o investimento em tecnologia fez com que o Brasil se tornasse referência mundial. Ouça o podcast!
Um dos maiores palestrantes na área de vendas no Brasil, Tejon destacou que há dois Brasis: um que produz e utiliza as técnicas mais modernas do mundo. “Esse Brasil que produz grãos, aves, suínos, citricultura e até itens que não são exportados, mas de segmentos como hortifruticulturas, utiliza a tecnologia mais moderna do mundo. As cooperativas no Brasil envolvem um milhão de produtores e representam metade da produção brasileira. Como diferencial competitivo, temos também a extensão de terra. Estados como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Maranhão e a região oeste da Bahia são verdadeiras empresas agropecuárias, extensivas e com custo bastante competitivo. Pelas condições climáticas favoráveis, produzimos milho e soja na mesma área, tendo, agora, 12 milhões de hectares de integração. Fazer de três a quatro safras no mesmo ano é impossível em outros países”, destacou.
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Mas como chegamos a essa situação de excelência e referência para o mundo? Tejon traçou um panorama e disse que o grande salto começou a partir da visita do agrônomo Norman Borlaug, prêmio Nobel da Paz no ano de 1970. Ele veio ao país e traçou um diagnóstico muito positivo: “a partir do momento em que o Brasil aprender a produzir em terras fracas, será o maior celeiro do mundo”. Isso incentivou o desenvolvimento de pesquisas e culminou na criação, na década de 1970, da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – que também se destaca, até os dias atuais, pelo trabalho de ponta.
A partir daí, a perspectiva da ciência entrou no circuito do agro brasileiro, sendo adequada às nossas condições tropicais. “A partir da soja, tivemos grandes saltos. Com a tecnologia, passamos a ter o plantio direto, uma técnica que teve desenvolvimento feito no Brasil, e também a segunda safra, a ‘safrinha’. Agora, há outro movimento, que é a integração entre a lavoura, pecuária e floresta”, destacou Tejon, lembrando que a “ciência tropical” resultou na genética de aves, suínos, além da pecuária de leite.
Para o futuro, perspectivas são boas
Tejon destacou que, se o Brasil mantiver uma política de isenção com relação aos outros atores envolvidos no comércio internacional, as perspectivas são excelentes para o agronegócio. O palestrante acredita que o país deve adotar uma postura neutra na “guerra fria” deflagrada entre China e EUA, além de reforçar as relações com a Europa – incluindo aí a Rússia e o Oriente Médio. “O Brasil é um grande fornecedor de commodities, mas há muito produto para poder crescer. Vendemos muito poucas frutas e hortaliças em relação ao que poderíamos oferecer, sem contar nos produtos agroindustrializados. É necessário uma política voltada para isso”, apontou.
O especialista em marketing para o agronegócio destacou, entretanto, que esse cenário otimista não vale apenas para as exportações, mas também para o mercado interno. “Durante a pandemia, o consumo local sofreu muito por conta do food service. Restaurantes, lanchonetes e redes de fast food paralisaram as atividades, e são grandes clientes da hortifruticultura, passando por um problema maior. Por ser um serviço essencial, no entanto, o abastecimento normal foi mantido na medida do que o brasileiro precisa, com os produtos nas redes de supermercado. Entretanto, não tenho dúvida de que o mercado interno pode crescer muito, pois o consumo per capita hoje é menor do que o necessário”, disse.
Desafios
Tejon também lembrou que ainda há muitos desafios para o agro deslanchar de vez no Brasil. Entre os entraves mais significativos, estão a dificuldade logística, com alto custo de locomoção, e da burocracia que ainda persiste no país. “O Brasil é um contraste. Para quatro milhões de pequenos produtores, o acesso à tecnologia ainda é difícil. Ao mesmo tempo em que temos a quarta melhor faculdade de ciências agrárias do mundo, temos atrasos que precisam ser observados, pois a desigualdade vai ser um ponto a ser levado em consideração daqui para frente, passando a contar na preferência dos produtos”, disse.
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Ressaltando que os micro e pequenos produtores representam 88% do total, Tejon apontou, entre as ações necessárias para a superação desses obstáculos, o aumento do cooperativismo e do crédito, além de suporte técnico e cuidado na condução das relações comerciais, para que as negociações sejam feitas de maneira justa. “Há muitas oportunidades e muitas coisas para aperfeiçoar. Mas é importante destacar que o agricultor brasileiro não foi criado sob cuidados especiais, muito pelo contrário. Temos gente com a ‘casca mais grossa’, como se diz, para enfrentar as dificuldades”, pontuou.
Números
Conforme o Instituto Millenium mostrou em abril, no auge da crise provocada pela pandemia do novo Coronavírus, o agronegócio não parou e, ao contrário, fortaleceu a sua posição. O Brasil continuou vendendo 80% da soja para a China, e seguiu sendo o maior exportador de carne. A perspectiva de crescimento do agro é de 3%, enquanto a economia de modo geral deve recuar em até 7%. Desde o início da pandemia, o país expandiu as relações comerciais para 21 novos mercados, envolvendo suínos, aves, carnes e lácteos. Entre os países com novos acordos, estão EUA, Emirados Árabes, Austrália, Marrocos, Egito, Tailândia, Taiwan, Irã, Peru, Argentina e Colômbia.
Foto: Agência Brasil / Arquivo