Há muitas formas de se definir a política. Sob o ponto de vista linguístico, a palavra política deriva da expressão grega “politikós” que significa aquilo que pertence aos cidadãos. Nesse sentido, parece ser óbvio que os representantes da administração pública, os políticos, devam respeitar os anseios da sociedade. Mas essa regra não se aplica ao Brasil. Aqui é possível que o presidente do Senado seja eleito mesmo com a reprovação de parte expressiva da opinião pública.
Para entender o impacto da eleição dos novos líderes do Congresso, Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, sobre a percepção dos cidadãos a respeito da validade das conquistas legais como a Lei da Ficha Limpa, o Imil entrevistou a diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita José Rosa. A diretora do MCCE não acredita que a eleição dos presidentes do Senado e da Câmara, que respondem a processos na Justiça, afastará os cidadãos do processo político. “Ainda há muito a ser feito para que o eco da sociedade reflita no Parlamento. Mas, em nenhum momento penso que a nossa luta e a nossa mobilização foram em vão”, afirma. Jovita cita a realização da 1ª Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social, a Consocial, como um avanço importante para o Brasil.
Instituto Millenium: A senhora acredita que a eleição dos novos líderes do Congresso, Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, promovem uma descrença do cidadão brasileiro no que diz respeito a sua capacidade de transformar a política nacional?
Jovita José Rosa: Participei ativamente da mobilização pela implementação da Lei da Ficha Limpa e percebo que a eleição de Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves mostra que ainda há muito a ser feito para que esse eco da sociedade reflita no Parlamento. Em nenhum momento penso que a nossa luta e a nossa mobilização foram em vão. De forma alguma. A Ficha Limpa trouxe um debate político que não estávamos acostumados a ver na sociedade brasileira. Mas, ainda temos que avançar muito na luta pela transparência e pela probidade.
Imil: Mesmo com a Lei da Ficha Limpa esses políticos foram eleitos para a presidência do Senado e da Câmara. Há uma separação entre a política nacional e as demandas da população brasileira, por quê?
Jovita: As coisas ainda não estão acontecendo da forma como a população deseja. Acredito que a cultura da transparência e do acompanhamento do legislativo precisa “pegar”. Não temos que nos manifestar apenas contra a eleição dos presidentes do Senado e da Câmara. Também precisamos saber para onde estão sendo enviadas e para que estão sendo criadas as emendas parlamentares. Precisamos acompanhar o Legislativo mais de perto. Há uma memória curta dos eleitores brasileiros. Não fazemos cobranças aos políticos que elegemos.
Espero que toda essa movimentação, que reuniu quase 2 milhões de assinaturas contra a eleição de uma pessoa, se propague junto a todos os parlamentares que não exercem a prerrogativa da fiscalização do poder Executivo, que é uma obrigação deles. Carecemos de uma oposição responsável que fiscalize e cobre do Executivo maior transparência e melhorias das políticas públicas. Não temos um grupo de parlamentares para fazer esse tipo de cobrança. Podemos usar a saúde pública como exemplo, pois mesmo com os repasses feitos pelo Ministério da Saúde não temos visto melhorias no atendimento à população brasileira. O que os parlamentares tem feito em relação a isso?
Então todas as pessoas que assinaram o abaixo assinado contra o Renan Calheiros devem voltar-se para a fiscalização dos parlamentares em seus estados. Porque a partir do momento que eles se sentirem acompanhados vamos conseguir avançar.
Imil: A internet facilitou a mobilização e participação dos cidadãos na agenda política. No entanto, ainda notamos a repetição de velhos problemas da esfera pública. A tendência é que os movimentos populares aumentem diante da democratização cada vez maior dos meios de comunicação, via web, ou haverá um enfraquecimento dessas iniciativas devido a permanência dos maus hábitos?
Jovita: Acho que estamos diante de um novo movimento social no Brasil. Temos feito um controle social mais independente e mais autônomo. Esse movimento tem cobrado transparência e probidade, tem feito denuncias ao Ministério Público. A tendência desse tipo de movimento é crescer a partir da democratização do acesso às redes sociais. Não podemos ficar apenas reclamando de braços cruzados. Temos que agir.
O Brasil tem muitas organizações não governamentais que trabalham exclusivamente com o controle social como a Rede Amarribo, que já resultou na convocação de uma conferência sobre transparência e controle social. Foi uma solicitação da sociedade que foi aprovada pelo governo federal e resultou na 1ª Consocial, em 2012, quando foram aprovadas 80 propostas. Agora estamos cobrando a execução dessas propostas do governo.
Imil: A senhora falou do surgimento de um novo movimento social no Brasil. Historicamente, os movimentos sociais ficaram restritos aos centros urbanos e às camadas mais esclarecidas da população como os estudantes e os membros de organizações sociais. Há um movimento de ampliação do alcance dos movimentos sociais?
Jovita: Com o avanço da internet acho que esses movimentos vão se alastrar, mesmo que não seja em uma velocidade muito grande. Creio que a tendência é que esse novo movimento social seja crescente. Mesmo que ele não cresça na mesma proporção que teve na classe média e da classe média alta nesse momento. Mesmo porque essa realidade de classe média tem se modificado nos últimos anos no Brasil. Muitas pessoas de classe menos favorecidas têm tido mais acesso à educação por intermédio da internet. A conscientização política tem se formado e não há como voltar atrás nesse processo. Estamos em um caminho sem volta. Ou é transparência ou é transparência.
Não há embasamento técnico que mostre que financiamento público de campanhas políticas alterem o quadro de corrupção nos países em que é adotado. Hoje sem dúvida temos partidos políticos e políticos vivendo luxuosamente pela farra do financiamento público, imagine se ele aumentar. A questão do financiamento de campanha é apenas parte do problema. Só em 2012 a dotação orçamentária do fundo subiu 30%, para abrigar o emergente PSD. O partido político deve ser como um clube, ter seus associados, clubes mais populares terá anuidade menor, os mais sofisticados e com menos membros terão anuidades maiores. Reforma política assim não muda nada, precisamos de voto facultativo, para obrigar os políticos a se esforçarem mais para cativar eleitores, voto distrital, porque á fácil um ficha suja famoso juntar um pouquinho de votos em cada canto e se eleger, enquanto não conseguiria numa única região apoio maior,precisamos tirar os políticos dos órgãos de controle, e continuar atentos e unidos.
Apoiei e apoio os movimentos contra a corrupção, mas focar reforma política apenas em financiamento exclusivo público de campanha não vai dar resultado. Por que não pensar que os apoiadores de cada partido paguem anuidades para sua manutenção, evitando assim essa gastança atual de dinheiro público, que vai parar ou nas empresas de mídia ou em bolsos privados. Grandes partidos, com muitos eleitores, anuidade vai ser baixa. De outra parte, a reforma política para ser efetiva precisa do voto facultativo, para que o político precise se esforçar mais para receber cada voto, voto distrital, em que ficha suja recebe poucos votos em muitos lugares mas não receberia muitos numa região e tirar políticos dos órgãos de controle. Seria um ótimo começo.
Concordo com as ideias apresentadas, com o avanço que a sociedade tem dado em relação ao que acontece em brasilia, no entanto precisamos avançar mais, pois o Brasil possui uma herança histórica de comodismo diante dos descasos do estado e da sujeira que se assasta por décadas. Mas não podemos desistir, ainda que seja uma minoria, devemos lutar pela transparência do governo e de suas ações.