Nos últimos anos, tenho defendido a tese de que o Brasil deveria se preparar melhor para o futuro, promovendo uma reforma da Previdência que ajuste as regras de aposentadoria à trajetória demográfica das próximas três a quatro décadas. Como fiz isso em artigos publicados em outros órgãos, aproveito este encontro mensal com o leitor do “GLOBO” para abordar o assunto. Nietzsche dizia que “o maior inimigo da mentira não é a verdade, mas a convicção”. O propósito deste artigo é questionar algumas convicções.
Minha ligação com o assunto tem quase 20 anos, já que meu primeiro texto sobre Previdência data de 1992. Desde então, publiquei muitos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre o tema e participei de vários debates defendendo minhas posições, tendo constatado que o grande obstáculo a vencer é a presença de preconceitos que dificultam a abertura para novas ideias. Se o leitor se opuser à mudança das regras de aposentadoria — e as pesquisas indicam que a grande maioria é, de fato, contrária — peço a sua atenção para os argumentos que irei expor a seguir.
O Brasil começa a passar por uma etapa de transformações da sua realidade demográfica. Para ter uma ideia da intensidade destas, vou citar informações oficiais, colhidas no site do IBGE. Em 2010, o número de indivíduos com 60 anos ou mais no Brasil foi de 19 milhões de pessoas e, em 2050, conforme as projeções oficiais, aumentará para 64 milhões de pessoas. Um leitor desconfiado poderá alegar: “Ora, mas o número de pessoas trabalhando e contribuindo também vai aumentar”. Esse é o grande drama, pois a resposta é negativa: o número de brasileiros de 15 a 59 anos, que foi de 125 milhões de pessoas em 2010, a rigor cairá um pouco até 2050, quando deverá ser de 123 milhões de pessoas. Ou seja, a relação entre a população com 60 anos ou mais e a população em idade ativa vai passar de 15 % para 52 % em 40 anos!
Nada, no Brasil, será mais importante para definir como será o país no qual nossos filhos irão viver do que encarar esse desequilíbrio. O país discute no dia a dia o último clássico de futebol, o mais recente programa do BBB ou, nos círculos econômicos, a última alta da Selic, mas tudo isso é irrelevante face à magnitude do desafio representado pelo fato da proporção entre a população idosa e a população em idade ativa se multiplicar por um fator de 3,5 nas próximas 4 décadas.
Diante disso, o que cabe fazer? A resposta deveria ser: o que o resto do mundo está fazendo. Ou seja, estendendo por certo tempo o período contributivo dos indivíduos. O tema, no Brasil, entretanto, não tem sido devidamente discutido — e o problema dessa atitude é que nossos filhos poderão pagar a conta da protelação.
O debate em torno do futuro da Previdência acaba sendo prejudicado pelo fato de que há políticos com gordas aposentadorias, mesmo tendo contribuído por pouco tempo no cargo. Esses são privilégios que, de fato, precisam acabar. O fato, porém, é que independentemente desses privilégios, as regras de aposentadoria no âmbito do INSS, cedo ou tarde, deveriam ser revistas. Nesse sentido, as ideias que tenho defendido, entre outras medidas, envolvem:
a) uma nova regra de aposentadoria para quem vier a ingressar no mercado de trabalho no futuro, que considere as perspectivas demográficas das próximas décadas;
b) a adoção de uma fórmula de transição para quem já está no mercado de trabalho, que torne o número de anos de contribuição a ser exigido tão mais próximo da nova regra quanto menor tiver sido o período contributivo do indivíduo e tão mais próximo da regra atual quanto mais tempo de contribuição o indivíduo já tiver;
c) um aumento gradual da exigência de anos de contribuição (hoje de 15 anos) para quem se aposenta por idade, na proporção de 6 meses a mais por ano, até completar 25 anos de exigência contributiva – em 2031. São propostas moderadas e perfeitamente defensáveis.
Para avançar nessa agenda, porém, será preciso romper barreiras mentais e organizar um debate com base nos dados atuais e nas perspectivas para as próximas décadas. O tema é sensível e complexo de tratar politicamente, mas é a reforma estrutural mais importante que podemos deixar como legado para a geração dos nossos filhos.
Fonte: O Globo, 27/06/2011
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