A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) criou uma comissão para analisar o futuro do DPVAT, o seguro obrigatório de veículos, com forte viés de substituí-lo por um seguro de responsabilidade civil nos moldes do seguro obrigatório para veículos europeu.
Curiosamente, de acordo com as atas das reuniões, a SUSEP e o Ministério da Fazenda são favoráveis ao novo seguro, enquanto as seguradoras se batem pela manutenção do DPVAT, com as alterações necessárias a adequá-lo à realidade brasileira, que, diga-se de passagem, não são muitas e fazem muito mais sentido.
O DPVAT é uma invenção brasileira que deu certo. A imensa maioria das jabuticabas inventadas no país dá errado, mas o DPVAT deu certo e atende satisfatoriamente as centenas de milhares de pessoas vítimas de acidentes de trânsito, que todos os anos matam mais de 40 mil brasileiros, além de tornar permanentemente inválidos outros 400 mil. A ordem de grandeza assusta, mas deveria assustar muito mais o fato de que, na prática, o DPVAT é o único arrimo de uma massa impressionante de pessoas das classes D e E, que têm seus familiares vitimados por acidentes de trânsito.
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A genialidade do DPVAT é seu modelo de acionamento do seguro e pagamento da indenização. Um único bilhete pode pagar todas as vítimas de um acidente envolvendo cinco ou seis veículos. E o bilhete tem um valor máximo de indenização, mas não tem uma limitação do número de vítimas cobertas.
Além disso, a indenização é paga rapidamente e o seu pedido pode ser protocolado em todas as seguradoras que fazem parte do consórcio, nos sindicatos dos corretores de seguros, nos sindicatos das seguradoras ou através de corretores que encaminham o pedido. Quer dizer, o Brasil está coberto por uma rede de atendimento que garante o pagamento das indenizações de DPVAT em todo o território nacional.
Imagine um acidente em Roraima envolvendo uma Kombi 1978, com oito passageiros, um Opala 1971, com quatro ocupantes, um Corcel 1975, com sete passageiros, uma perua Veraneio 1973, com 10 pessoas a bordo, e um Rolls Royce 2018, apenas com o motorista, que não teve culpa nenhuma pelo acidente e foi o único que não morreu. Imagine que apenas o Rolls Royce tem o DPVAT pago e que, insista-se, não teve culpa nenhuma pelo acidente.
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Para o DPVAT é indiferente, o seguro do Rolls Royce paga todas as vítimas deste acidente sem entrar no mérito da culpa, nem questionar o número de vítimas. Basta que os beneficiários do seguro procurem o sindicato dos corretores de seguros ou uma das seguradoras que compõem o consórcio, podendo inclusive ser através de uma agência do banco do mesmo grupo de uma seguradora participante.
Agora imagine este mesmo acidente coberto por uma única apólice de responsabilidade civil, emitida por uma seguradora específica a favor do Rolls Royce. Imagine que a sede desta companhia é no Espírito Santo e que ela não tem representante em Roraima. Como não há consórcio, mas seguradora específica, a indenização tem que ser cobrada dela, no Espírito Santo. Como é um seguro de responsabilidade civil, ainda que de responsabilidade objetiva, é necessário um processo de liquidação do sinistro, que, evidentemente, tem que ser feito em Roraima.
Alguém em sã consciência, conhecendo o Brasil, imagina que os beneficiários das vítimas deste acidente terão a mínima chance de receber a indenização a que têm direito? É acreditar que o Papai Noel vai dar uma motocicleta para o Coelhinho da Páscoa.
Eu não duvido da capacidade profissional dos técnicos da SUSEP e do Ministério da Fazenda, mas sei que pouquíssimos deles têm prática de campo no setor de seguros. Basta ler algumas condições que são impostas ao mercado para ver que eles não sabem como é a rotina de uma seguradora e como acontecem as regulações e liquidações de sinistros. Aliás, basta acompanhar a demora da SUSEP para responder a um simples pedido judicial para se ter sérias dúvidas sobre o funcionamento de um seguro obrigatório de responsabilidade civil de veículos, num país como o Brasil.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 14/05/2018