As estatísticas publicadas nas últimas semanas revelam o quadro desolador em que se encontra a economia brasileira. E reforçam perguntas para as quais não há respostas claras.
Os números fiscais são assustadores: déficit primário de 0,6% do PIB, déficit nominal de 6,7% do PIB, dívida bruta de 63,4% do PIB, com alta de 6,6 pontos percentuais apenas em 2014! As despesas primárias do governo central subiram 1,2% do PIB no ano, quatro vezes mais que na média dos 16 anos anteriores. O déficit primário recorrente é avaliado em 1,5% do PIB!
O ano também fechou com um déficit em conta corrente de 4,2% do PIB, ou seja, 0,6% do PIB acima do já preocupante resultado de 2013. Nossa dependência dos capitais voláteis para financiar o déficit externo aumentou. A inflação foi de 6,4%, muito acima da meta, no teto da banda de tolerância e com viés de alta. A expansão do crédito desacelerou, mas ainda assim ficou 4,6% acima da inflação, e o crédito direcionado cresceu três vezes mais (12,4%), o que ainda vai dar dor de cabeça.
[su_quote]Indicadores de inflação, contas externas e mercado de trabalho sugerem que a restrição é de oferta
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O resultado mais favorável veio do mercado de trabalho: a taxa de desemprego no ano ficou em apenas 4,8%, inferior aos 5,3% de 2013, com alta real de 2,7% do rendimento médio habitual.
Dado esse quadro, a pergunta que não quer calar é: como conciliar esses números com uma economia que não cresceu em 2014, ou com a queda de 3,2% na produção industrial? Por que a economia não cresce, apesar de tantos estímulos fiscais e creditícios, além do aumento da massa salarial?
A pergunta vale também para o triênio 2012-14, quando houve forte expansão fiscal (redução de 3,7% do PIB no resultado primário); o crédito cresceu 7,6% ao ano em termos reais; a Selic, descontado o IPCA, foi em média em 3% ao ano, baixa para nossos padrões; a taxa de desemprego caiu de 5,9% para 4,8% e o rendimento real aumentou 2,5% ao ano. Com tudo isso, o PIB cresceu apenas 1,2% ao ano e a produção industrial caiu 3,5% no triênio.
Os indicadores de inflação, contas externas e mercado de trabalho sugerem que a restrição é de oferta, que a economia trabalha acima dos seus limites. Isso ajuda a explicar o efeito perverso das políticas de estímulo adotadas nesse período. Mas terá nosso potencial de crescimento caído tanto, a ponto de não ser possível sustentarmos uma expansão média anual acima de 1%?
Eu não tenho ainda resposta para essas perguntas. Minha hipótese é que o ciclo anterior, puxado pelo boom de commodities e a expansão do crédito ao consumo, se exauriu e nada surgiu até agora para substituí-lo. Obviamente, também contribuíram para esse mau desempenho do PIB o aumento da intervenção estatal na economia (em mineração e infraestrutura, por exemplo); a péssima alocação de capital, fruto de políticas como as de campeões nacionais e de conteúdo nacional; além de preços importantes fora do lugar.
Duas indicações nesse sentido. Primeiro, o preço das exportações brasileiras em dólares caiu 12,5% no triênio 2012-14 (queda de 4,9% em 2014). E vai cair mais em 2015. No triênio 2009-11, em contraste, esse preço subira 28,6%. Segundo, o crédito às pessoas físicas, descontado o crédito imobiliário direcionado, teve expansão média real de 4% ao ano em 2012-14 (1,4% em 2014), contra 9,4% no triênio anterior.
Decompondo-se o PIB por setores vê-se que não foi só a perda de competitividade da indústria de transformação que derrubou o crescimento do PIB. Comparando o triênio encerrado no terceiro trimestre de 2014 com o imediatamente anterior, vê-se que a desaceleração dos setores de construção, comércio, serviços financeiros e outros serviços respondeu por mais de quatro quintos da queda no crescimento do PIB, contra menos de um décimo resultante da piora no desempenho da indústria de transformação. De fato, as contribuições desses quatro setores para o menor crescimento do PIB foram todas individualmente maiores que a desta última. Haviam sido exatamente esses os setores que puxaram a aceleração do crescimento no período 2005-11.
O ajuste fiscal em curso, de 1,8% do PIB, é corajoso, difícil e mais do que necessário. Mas sozinho ele não será suficiente para recolocar o país em uma trajetória de crescimento significativamente acima da do último triênio. Para isso também serão necessárias reformas (na infraestrutura, por exemplo); o desmonte das regras que aumentam automaticamente o gasto público primário; e uma correção maior de preços básicos, como o câmbio, o preço dos serviços e dos imóveis, e a taxa de juros nos créditos direcionados. Mais mercado, menos intervenção estatal nas decisões empresariais.
Portanto, outras mudanças na política econômica são necessárias, além do ajuste fiscal. A agenda anunciada pela presidente é insuficiente. E nada se disse sobre metas, prazos ou sobre como implementá-la. É preciso muito mais e mais rápido, se quisermos voltar a crescer mais que 1% ao ano.
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2015.
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