Maravilha: a economia brasileira pode ter crescido 1,5% em 2012, um esplêndido resultado, muito melhor que a expansão de 0,9% até agora registrada oficialmente. Além disso, as contas públicas estão em ótimas condições, embora algumas pessoas trabalhem, segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, “para transformar fundamentos fortes e tranquilos em situações de tensão”. Maravilha, de novo! Estamos a um passo de ouvir algum ministro ou secretário atribuir mau-olhado aos críticos da política econômica. Por que não? Quando tiverem, afinal, de reconhecer um fiasco, poderão acusar algum crítico ou opositor de ter enterrado um sapo no subsolo do Ministério da Fazenda. Isso será quase tão sofisticado quanto continuar atribuindo a inflação brasileira a choques de preços – um efeito aparentemente despercebido em muitos outros países em desenvolvimento. Mas, descontados os sapos e o olho maligno, vai tudo bem, segundo o governo, a começar pela evolução do produto interno bruto, o Superpib.
A presidente Dilma Rousseff adiantou a “revisão” para 1,5% em entrevista ao jornal espanhol “El País”. Revisões são normais, disse ela, e ocorrem também nas contas dos Estados Unidos. É verdade, mas parece ter havido uma confusão. Segundo a informação original, posta em circulação alguns dias antes dessa entrevista, a nova taxa de crescimento deverá resultar de uma alteração no cálculo, com a introdução de uma nova estimativa do setor de serviços. Não seria propriamente a correção de um erro estatístico, mas um aperfeiçoamento do sistema de dados. Mas isso deverá envolver uma reconstrução da série e é cedo para dizer, sem mais informações, como ficará o conjunto.
Os dados mais importantes, por enquanto, são outros: um crescimento de 1,5% em 2012 continuará sendo menos que pífio, inferior ao de grandes países em crise, como Estados Unidos (2,8%) e Japão (2%), e muito menor que a média dos emergentes e em desenvolvimento (4,9%). Atribuir esse desempenho à crise internacional é apenas uma forma de jogar sobre os outros a responsabilidade pelas próprias falhas, um discurso pouco melhor que o do mau-olhado e do sapo.
Do lado da indústria, principal fonte de empregos decentes e, no passado, foco mais importante de modernização tecnológica, as perspectivas continuam ruins. O desempenho da economia vem “de frustração em frustração”, disse na quinta-feira o diretor de pesquisas e estudos econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Francini. Em outubro, o indicador de nível de atividade (INA) da indústria paulista foi 0,4% menor que em setembro, descontadas os fatores sazonais, e 0,2% inferior ao de um ano antes. Além disso, o aumento do INA de agosto para setembro foi revisto de 1,3% para 0,2%. O avanço acumulado em 12 meses ficou em 2,2%. Mesmo a expansão de 2,5% estimada para o ano ficará longe de compensar – meramente zerar – a queda de 4,1% em 2012.
Do lado da oferta, o PIB brasileiro continuará puxado pela agropecuária e pelo setor de serviços. Do lado da demanda, o governo tem apostado na expansão do investimento. Se isso for confirmado, será um mero efeito estatístico, já que o total investido diminuiu no ano passado. Na melhor hipótese, o investimento medido pela formação bruta de capital fixo (recursos aplicados em máquinas, equipamentos, infraestrutura e outras instalações) ficará de novo na vizinhança de 19% do PIB. De fato, os componentes mais dinâmicos da demanda continuarão sendo o consumo privado, apesar de algum arrefecimento, e os gastos de governo, basicamente de custeio.
Não se sustenta uma grande economia em desenvolvimento com uma indústria estagnada e um volume ridículo de investimentos. Do lado privado, a disposição para investir depende principalmente da confiança na política e da expectativa de crescimento. As empresas já investiram com muito mais dinamismo em épocas de juros básicos mais altos, até porque as taxas cobradas pelo principal financiador, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sempre foram subsidiadas. Os subsídios continuam, mas a política do BNDES perdeu o rumo e também isso tem travado o crescimento.
Leilões bem-sucedidos no setor de infraestrutura poderão resultar em mais investimentos. Mas o êxito desses leilões tem sido turbinado pela promessa de subsídios por intermédio do BNDES ou da participação de estatais, como indicou o professor Sérgio Lazzarini, do Insper, em excelente artigo no “Estado” de quinta-feira. O governo poderia usar de outra forma esses bilhões. Por que atrair capital privado com subsídios, se os negócios são lucrativos? Essa foi a grande pergunta deixada pelo artigo.
Esse exemplo de mau planejamento e mau uso de recursos combina com o resultado das contas públicas. O superávit primário do governo central em outubro, R$ 5,4 bilhões, foi o mais baixo para o mês desde 2004. O acumulado em dez meses, R$ 33,4 bilhões, chegou a apenas 45,7% da a meta de R$ 73 bilhões, já inferior à inicial. Segundo o secretário do Tesouro, o governo central conseguirá nos dois meses finais os R$ 39,6 bilhões necessários para fechar a conta. Se conseguir, será graças a receitas extraordinárias, como as prestações do Refis, o programa de refinanciamento de impostos.
O setor público total só acumulou R$ 51,2 bilhões de superávit primário no ano, 46,1% do prometido para 2013. Em outubro, a contribuição de Estados, municípios e estatais foi de apenas R$ 932 milhões. Mas isso deixou de ser problema para o governo central, agora oficialmente comprometido só com o próprio resultado. Nem esse está garantido. Falta um capítulo sobre mau-olhado nos manuais de finanças públicas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/11/2013
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