A renovação de 51% no quadro de deputados da Assembleia Legislativa do Rio não impediu a permanência de velhos hábitos na Casa de leis fluminense: a distribuição de cargos para acomodar parentes, deputados que não conseguiram se eleger e seus aliados. A equipe da deputada Franciane Motta (MDB), por exemplo, abarca funcionários que já foram nomeados nos gabinetes de seu marido, Paulo Melo (MDB), de Jorge Picciani (MDB) e de Luiz Martins (PDT). Os três ex-parlamentares estão presos preventivamente pela Lava-Jato. Com o “toma lá dá cá”, já dá para formar um time de futebol: há pelo menos 11 políticos beneficiados pelas práticas.
Por meio de nota, Franciane negou que tenha havido indicação dos ex-deputados em suas nomeações. Ela afirmou ter adotado “critério técnico” nas escolhas. A parlamentar usou o mesmo argumento para justificar a contratação de Magaly Cabral, mãe do ex-governador Sérgio Cabral, também preso. Terça-feira, a Alerj deferiu o pedido de Magaly para receber “adicional de qualificação”. Por ter mestrado, ela vai incorporar R$ 504 ao salário mensal de R$ 9.835.
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Além de partidos de centro, como o MDB, a distribuição de cargos feita também abarca legendas de esquerda e de direita. Eleito o quarto deputado federal mais votado do Rio com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, Carlos Jordy (PSL) teve o pai, Carlos Mattos, nomeado no gabinete de Dr. Serginho (PSL), seu colega de partido, na Alerj. Procurado, Jordy afirmou que o pai “é livre para trabalhar onde quiser e coleciona elogios por onde passa”. Já Dr. Serginho destacou “o excelente trabalho” do pai de Jordy como coordenador de sua campanha.
Professor e especialista em direito administrativo e constitucional, Manoel Peixinho acredita que a nomeação do pai de Jordy é ilegal.
— Trata-se de ato inconstitucional. Há uma violação clara do princípio da impessoalidade. Nesse caso, recursos públicos estão sendo usados para favorecer um núcleo familiar. Cada vez mais, agentes públicos tentam burlar súmula do Supremo Tribunal Federal que versa sobre nepotismo e, para isso, empregam familiares em outras esferas de poder. A meu ver, o Ministério Público do Rio deveria tomar alguma providência com relação a esta nomeação — opinou.
Procurado, o Ministério Público determinou que a Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania analise o caso e verifique “eventual prática de nepotismo, ainda que cruzado”.
Pais e filhos
Pais contemplados, filhos também. Ricardo Campos Strauss, filho da ex-deputada Cidinha Campos (PDT), que não conseguiu se reeleger, foi nomeado para a Assembleia com salário de R$ 9.835. Ele atuará na diretoria de Informática. Procurada, Cidinha foi sincera ao admitir que atuou para ajudar o filho e disse não ver imoralidade na nomeação.
— Imoral é não ter emprego. Meu filho ficou um tempão sem emprego. É justo que, agora que não sou deputada, ele não possa trabalhar? O ambiente que conheço é a Alerj. Uma pessoa que precisa de emprego procura no ambiente que conhece. Meu filho vai trabalhar duro.
Primo em segundo grau de Renato Cozzolino (PRP), Vinicius Cozzolino foi agraciado com um cargo na Secretaria-Geral da Mesa Diretora.
Já o ex-deputado Wanderson Nogueira, que disputou a eleição pelo PSOL e não conseguiu se reeleger, recebeu um cargo como espécie de prêmio de consolação. Nogueira, que se classifica como um “defensor da juventude e do emprego”, agora se ocupará com atribuições burocráticas na Mesa Diretora da Alerj, com remuneração de R$ 6.490.
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Os ex-deputados André Lazaroni e Geraldo Pudim, ambos do MDB, também não foram bem-sucedidos nas urnas em 2018, mas a expressão “cair para cima” se aplica à dupla: o primeiro foi nomeado subdiretor-geral de Informática; o segundo, secretário-geral da Mesa Diretora. Com as novas funções, cada um receberá mensalmente R$ 31.354, salários que superam os R$ 25.322 que recebiam quando parlamentares. Jânio Mendes (PDT), também não reeleito, foi nomeado diretor financeiro, com vencimentos de R$ 23.091.
Procurado, o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), responsável por assinar as nomeações da Casa, afirmou que não há ilegalidade e que os escolhidos “vão contribuir para a reestruturação e renovação do Parlamento”.
Fonte: “O Globo”, 20/02/2019