Talvez seja hábito do brasileiro, mas há uma insistência recorrente nos últimos anos por parte do governo em não reconhecer sua culpa em boa parte dos problemas que lidamos hoje na economia. Não vamos aqui nem entrar no mérito do excesso de intervencionismo estatal tão querido dos últimos dois governos, em que se culpa uma má vontade do setor privado em ajudar no crescimento. Nem vamos falar da “crise” externa, essa eterna culpada para nossos problemas. São comportamentos claramente contrários ao crescimento de longo prazo, mas já tão batidos que não vale comentar aqui.
Queremos aqui discutir as dificuldades que têm ocorrido na condução do combate à inflação desde 2008. Salvo o ano recessivo de 2009, estamos consistentemente beirando os 6% de inflação como novo patamar médio. Um choque de oferta poderia explicar um movimento temporário da inflação, mas um período tão longo com inflação tão acima da meta levanta dúvidas sobre a capacidade da atual política monetária de lidar com a inflação.
A partir daí começam a surgir as jabuticabas explicativas. A mais recorrente, que também olhamos com certo carinho, é a indexação formal e informal dentro do IPCA. Sugerir acabar com indexação pelos IGPs é interessante, mas talvez a questão anterior é se perguntar por que existe um indicador de preços tão olhado pelo mercado em que 60% do mesmo é formado por preços no atacado, sabidamente muito mais impactado por choques de commodities e cambiais. Por mais que seja interessante ter índices diferentes de inflação, a sugestão correta é que há índices de inflação em demasia e isso por si só causa ruído desnecessário nas expectativas do próprio IPCA, especialmente quando os IGPs crescem acima desse indicador, o que é quase uma constante.
Assim, o mais interessante seria se tivéssemos apenas um bem calculado IPC e um bem melhor calculado IPP (Índice de Preços ao Produtor). Este último, feito pelo IBGE, ainda tem muito a avançar em termos de quantidade de componentes analisados, e acabou surgindo como mais um índice que não conseguiu agregar ainda a informação adequada. A maioria dos países desenvolvidos trabalha apenas com dois índices, de varejo e atacado. A colocação de que é importante ter vários indicadores para evitar que o governo se assanhe em manipular o indicador oficial seria verdade se os índices fossem iguais ou muito parecidos no cálculo, o que não é o caso. Isso sem falar no medo de manipulação em conta, sinal claro de atraso institucional de qualquer país que o faça. De qualquer maneira, é um sonho de verão acreditar em menos índices de inflação.
Mas o ponto relevante aqui é que isso tudo é uma grande cosmética. Também nos anos 70 o Fed de Arthur Burns e William Miller culpava a tudo e a todos pela inflação. Foi uma década plena de choques de oferta para todos os gostos e o banco central americano tomou gosto em se eximir da culpa pela aceleração da inflação. Christina e David Romer recentemente publicaram um artigo mostrando os argumentos mais estapafúrdios feitos pelo Fed na época para justificar o avanço da inflação. Culpava-se não apenas os choques de oferta, mas forças obscuras como “problemas estruturais e de competividade” eram largamente usados para o Fed tirar sua responsabilidade. Precisou entrar Paul Volcker para dar o choque de credibilidade necessário e trazer a inflação para patamares razoáveis na década de 80. Ou seja, apesar de todas as desculpas causais usadas pela direção da época, a velha inflação foi combatida na hora que o presidente do Fed tomou a responsabilidade para si.
O que temos hoje no Brasil não é muito diferente. Os documentos da Ata e do Relatório de Inflação trazem vários argumentos para a inflação, mas parecem que todos são colocados como nada tendo a ver com o banco. O caso mais recente foi que tivemos um problema de oferta que gerou descompasso com a demanda, que acaba por sustentar a inflação temporariamente em patamares mais elevados. Também entram a indexação, a crise externa e outros que tais, mas não estamos vendo o comportamento prévio do BC que, com uma inflação acima de 6%, já deveria ter aumentado a taxa de juros há muito tempo. A pergunta que fica então é quando o BC tomará de fato para si a responsabilidade de controlar a inflação? Quando um espírito volckeriano entrará em nosso BC para de fato acreditarmos que a meta de 4,5% será atingida? Alguém ainda acredita que nesse ritmo teremos inflação de 4,5% em 2014, um ano eleitoral, de Copa e com os planos de concessão começando parcamente a aumentar investimentos? Difícil. Como também é difícil acreditar em um BC mais “hawkish”. Daí que 6,5% de IPCA ano que vem virou um truísmo.
Pensar em inflação baixa no Brasil hoje vai além de pedirmos para o BC trazer a inflação para 4,5%. Envolve baixar a própria meta de inflação de 4,5% para 2% ou 3%, número condizente com países com o tempo de meta de inflação que temos. Mas se o problema justamente é saber quão crível é o sistema de metas hoje, fica também difícil imaginar que essa taxa vá cair ainda nesta década.
Uma solução que não feriria os brios heterodoxos do governo seria esperar a subida dos juros internacionais em 2015, coincidentemente ano inicial do segundo mandato de Dilma ou de quem quer que seja eleito. A subida dos Fed Funds poderia ser um subterfúgio político aceitável para justificar um realinhamento de juros para patamares mais condizentes com uma inflação de 4,5%. Se a normalidade voltar ao Fed, teríamos os Fed Funds retornando ao padrão histórico de 4% dos 0% que estão hoje. Não deve voltar tudo em 2015, mas abriria espaço para o BC brasileiro reequilibrar a Selic. É uma solução política para um governo que se vê numa armadilha de querer entregar a taxa de juros mais baixa da história a qualquer custo. Voltando ao uso difundido da culpa externa do início do artigo, nada como culpar os velhos americanos de sempre para justificar nossas derrapadas na condução de politica monetária. Isso tudo é uma torcida por uma decisão política já que a decisão técnica de subir os juros se perdeu. E, no mais, pensar em subir a Selic hoje de 7,25% para 9%, que é nosso número em 2014, não vai ser suficiente.
Por fim, vamos torcer também para que o governo não insista nas políticas macroprudenciais, tão faladas e usadas nos últimos anos com resultados irrelevantes para a inflação.
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2013
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