O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), 2ª instância de julgamento administrativo dos processos relativos a tributos federais, vive uma crise sem precedentes em sua longa existência.
Vazamentos de investigações, ainda não concluídas, focalizando práticas supostamente ilícitas de alguns integrantes daquela instituição, ensejaram propostas excêntricas, confusões conceituais e adoção de medidas que inviabilizam irremediavelmente a atual estrutura de julgamento.
A extinção do Carf, transferindo o julgamento para o Judiciário, logrou ser a proposta mais esdrúxula. Órgãos de julgamento administrativo de tributos integram, a despeito da diversidade de modelos, administrações tributárias em todos os países. Certamente, a proposição também não considerou a montanha de processos no Judiciário.
Na mídia, veiculou-se enfaticamente que aquelas práticas resultaram em cancelamento de débitos tributários. Essa ilação não é verdadeira. Tal fato poderia servir de pretexto para anulação do julgamento, o que não significa que o lançamento seja procedente ou não. Ainda que seja óbvio, é necessário assinalar que lançamento tributário e seu julgamento são questões absolutamente distintas.
[su_quote]A extinção do Carf, transferindo o julgamento para o Judiciário, logrou ser a proposta mais esdrúxula[/su_quote]
Admitindo-se que se comprove a ilicitude e que o julgamento venha a ser anulado, advirão novos problemas.
É razoável pensar que haverá, pelos conselheiros que venham a realizar o novo julgamento, o temor de identificação, conquanto indevida, com os fatos que fundamentaram a anulação do julgamento anterior. Sendo fundado esse temor, ficará definitivamente comprometida a imparcialidade do julgamento. Além disso, prenuncia-se uma ampla renúncia dos conselheiros que representam os contribuintes por uma singular combinação de razões.
Até hoje, esses conselheiros não recebiam remuneração por suas atividades. Mas, com a edição do Decreto n.º 8.441/2015, foi fixada uma remuneração, a título de gratificação de presença, com base na Lei n.º 5.708/1971.
A OAB, também com fundamento em lei, deliberou que a percepção de vencimentos pelos conselheiros implica, no caso dos advogados, impossibilidade de exercício da advocacia.
Consideradas a relativamente baixa remuneração estabelecida (no máximo R$ 11, 2 mil mensais) e a vedação ao exercício da advocacia, pedidos de exoneração dos advogados que exercem a função de conselheiro no Carf tornaram-se fenômeno previsível.
Esse quadro dramático permite concluir que o atual modelo está esgotado, e já não mais cabem soluções cosméticas. De mais a mais, o modelo de representação paritária, herança do Estado Novo de Vargas inspirada no Estado fascista, ostenta visíveis fragilidades.
A despeito da inegável qualificação técnica da grande maioria dos conselheiros, os representantes do Fisco são susceptíveis a pressões da administração tributária e os dos contribuintes não têm a necessária legitimidade para exercer a representação, pois a exercem em virtude de meras indicações de entidades sindicais de empregadores e empregados.
Neste contexto, trago algumas sugestões, como contribuição ao debate.
A primeira delas seria, mediante lei, integrar o Carf com servidores públicos especificamente concursados para o exercício dessa função. Esse modelo é adotado, com sucesso, em Pernambuco, desde a década de 1970.
Mais ousado, porém, seria promulgar emenda constitucional que permita à parte vencida na instância administrativa requerer a revisão da decisão nela proferida ao Tribunal Regional Federal ou ao Tribunal de Justiça, conforme se trate, respectivamente, de tributos federais ou estaduais e municipais.
Essa solução, já aventada na Emenda Constitucional n.º 7/1977, representaria uma enorme economia processual e racionalidade para o contencioso tributário, em proveito tanto do Fisco quanto dos contribuintes.
Em situações cruciais, como no caso do Carf, é indispensável agir com prudência, não como sinônimo de cautela excessiva, mas de reflexão, ousadia e determinação.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 4/6/2015
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