O presidencialismo multipartidário requer “moedas de troca” entre o executivo e o legislativo para alcançar funcionalidade. Um presidente é incapaz de construir e manter uma coalizão majoritária sem uma “caixa de ferramentas” sob sua inteira discricionariedade. A execução de emendas parlamentares é uma das principais ferramentas desse jogo, já que gera governabilidade com baixa interferência em políticas de perfil universal.
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Esse jogo de trocas estava em equilíbrio até o governo Dilma. Como consequência da má gerência de suas coalizões e de sua fragilidade política no processo de impeachment, Dilma preferiu “perder os anéis para preservar os dedos”, ao aceitar tornar impositivas as emendas individuais. Já Temer, sob ameaça de dois pedidos de impeachment, permitiu que as emendas coletivas também se tornassem impositivas.
A obrigatoriedade na execução das emendas individuais e coletivas ao invés de ter sido um avanço nas relações entre executivo e legislativo, engessou o jogo e tornou-o mais caro. No momento que os legisladores perceberam que não precisavam mais votar de forma consistente com o executivo para que suas emendas fossem executadas, o presidente teve que encontrar moedas alternativas de recompensa.
As “emendas de relator” foram um substituto ruim e distorcido das emendas sobre as quais o executivo tinha poder discricionário. Todo o processo tornou-se opaco, com muitas possibilidades de predação e corrupção.
Além dos problemas de falta de transparência, a negociação que antes ocorria entre o Presidente da República e os líderes partidários, passou a se dar entre os presidentes da Câmara e do Senado e os parlamentares individuais, o que fragilizou os partidos políticos no Congresso. A disciplina partidária implodiu porque os membros do partido passaram a prescindir da indicação se seu líder para terem suas emendas executadas.
A execução equitativa das emendas, perfunctoriamente defendida, causa distorção do jogo da coalizão, pois gera instabilidades políticas, maiorias cíclicas e aumento dos custos governativos. Embora agrade aos legisladores, engessa o presidencialismo de coalizão.
Para proporcionar governabilidade, a destinação de recursos orçamentários pelo presidente não pode ser igualitária. Aos legisladores de partidos mais fiéis ao presidente é facultado o “prêmio” de mais emendas executadas em troca de apoio consistente no legislativo. A oposição aceita jogar esse jogo na expectativa de fazer o mesmo assim que chegue a sua vez de ocupar à presidência.
Fonte: “Estadão”, 16/11//2021
Foto: Antonio Augusto/Agência Câmara