A primeira tentativa feita na Era Lula de controle do que é produzido e difundido pelos meios de comunicação – com o fim da liberdade de expressão e imprensa como estabelecido na Constituição – foi rechaçada quando os instrumentos para este fim ainda se encontravam em fase de elaboração, no Executivo. Os projetos da Ancinav, agência do Ministério da Cultura para intervir no setor audiovisual, e do Conselho Federal de Jornalismo, idealizado a fim de patrulhar jornalistas da imprensa profissional e independente, morreram no Planalto sem chegar ao Congresso. Diante da grande repercussão negativa, o governo achou melhor recuar.
Mas voltou ao ataque, e de forma arrogante e autoritária, conforme demonstrado pelo tom descabido de afirmações feitas pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, na abertura do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias, em Brasília, organizado pelo governo. Ao defender o interesse oficial de estabelecer nova regulação para a mídia eletrônica e digital, Franklin ultrapassou a fronteira da sensatez e ameaçou que a discussão do tema terá de ser travada, podendo ser feita “num clima de entendimento ou de enfrentamento”. Ora, se existe uma atividade aberta à discussão, esta é a imprensa, de qualquer meio. Tampouco deixa de registrar e divulgar as críticas que recebe. Mas o ministro precisa respeitar a opinião das associações do setor, como elas respeitam a posição do governo.
O problema é que soa falso quando autoridades tentam passar para a sociedade a ideia de que ou é fraca ou não existe a regulação dos meios eletrônicos. Há regras e ativos instrumentos de intervenção do Estado na mídia. Apenas não estão centralizados em um organismo, como em vários países, mas distribuídos em diversas instâncias oficiais. Um exemplo é o do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplicado pelo Juizado de Menores, cujos fiscais têm o poder de autuar emissoras, caso entendam que algum direito do menor foi violado. Mesmo profissionais podem ser processados criminalmente. A Secretaria Nacional de Justiça, órgão do Ministério da Justiça, também atua neste campo e tenta impor decisões sobre a classificação etária de programas, contra dispositivos constitucionais. Pratica censura prévia, uma ilegalidade. Há várias brechas na legislação que permitem ao Ministério Público em geral intervir nos meios de comunicação. É portanto balela que não existe controle sobre a mídia no Brasil, principalmente a eletrônica. Discutir aprimoramento é sempre positivo, mesmo que o sistema regulatório brasileiro seja bom. Mas o governo, como se vê, não recua na intenção, movida a autoritarismo, de intervir no conteúdo do que é difundido pela mídia, inclusive entretenimento.
A própria composição do seminário indica o viés do seu organizador. Ele foi estruturado para defender a TV pública. Por que então não a discutiram com profundidade; por exemplo, como de fato torná-la um meio do Estado e não do governo? Ou como medir a sua eficácia, sem ser pela audiência? Em vez disso, perdeu-se tempo em pensatas estapafúrdias, como a que defendeu o alijamento do Congresso do campo das comunicações. Equivaleria a revogar a democracia representativa.
Infelizmente, tempo, saliva e dinheiro público foram gastos num debate infrutífero.
Fonte: “O Globo”, 12/11/10
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