Faturar alto nunca foi a meta dos cariocas Ricardo Clemente, 36 anos, Jorge Falcão, 39, Pedro Teixeira e Hubert Fonseca, ambos de 35 anos.
Quando fundaram a Intelie, em 2009, o que eles queriam era criar uma tecnologia capaz de revolucionar a análise de dados em tempo real. “Dinheiro nunca foi prioridade”, afirma Falcão. “Nunca tivemos grandes discussões relacionadas a dinheiro, nada disso. A gente tinha nossas brigas, sim, mas era sempre para tentar chegar ao melhor produto.” O que eles queriam era provocar impacto. “Eu via muitos empreendedores fazendo qualquer coisa para ter lucro. Mas nós estávamos num caminho diferente. Queríamos construir algo realmente importante”, diz Fonseca.
Hoje, a ferramenta criada pelos quatro amigos é reconhecida como uma das melhores soluções de big data do mercado. E os empreendedores conquistaram até mesmo o que não buscavam: em 2018, a Intelie foi vendida à gigante americana de tecnologia RigNet por uma quantia estimada em US$ 27,8 milhões.
Veja mais:
Startup desenvolve exames mais eficazes para tratamentos oncológicos
Educação a serviço do empreendedorismo
Startup desenvolve soluções para tratar resíduos sólidos
Quando eram analistas de sistemas no escritório da Globo.com, parte do Grupo Globo, no Rio, o engenheiro eletrônico Ricardo Clemente e os desenvolvedores Jorge Falcão e Pedro Teixeira não imaginavam que, dali a alguns anos, dividiriam o comando de uma empresa milionária.
Clemente cursava um mestrado em Ciência da Computação na PUC-RJ e, seguindo o hábito de outros estudantes, decidiu basear seu trabalho acadêmico nos problemas da empresa em que atuava. Desenvolveu, então, o protótipo de um serviço de análise de fluxos de dados em tempo real, utilizando inteligência artificial e machine learning.
Pouco depois, veio o estalo: a tecnologia servia não só para a empregadora, mas para qualquer empresa que precisasse analisar enormes quantidades de dados com agilidade.
Não demorou muito para Clemente pedir demissão e decidir empreender. Além dos colegas Falcão e Teixeira, chamou para a sociedade o ex-colega de faculdade Hubert Fonseca, 35 anos. Juntos, fundaram no Rio de Janeiro a startup Intelie.
+ Investimentos muito além do lucro
Levou seis meses até desenvolverem a Intelie Live, uma ferramenta de stream data analytics com capacidade para coletar e analisar até 100 mil dados por segundo, algo inédito no mercado. “No começo, os nossos esforços estavam totalmente voltados para a inovação tecnológica”, diz Teixeira.
Em um grupo formado por desenvolvedores, programadores e técnicos, difícil foi decidir quem faria a aproximação com os clientes. Clemente, o porta-voz dos quatro, ficou com a missão — e também com o cargo de CEO. Falcão cuidaria das soluções de operações digitais e Fonseca das operações industriais, enquanto Teixeira seria responsável pela pesquisa e desenvolvimento.
Com o produto na mão, foram em busca de potenciais compradores. A antiga empregadora acabou se tornando a primeira cliente. A “Globo.com” usou a novidade para aumentar a eficiência da plataforma do Big Brother Brasil na internet.
Outra grande oportunidade surgiu em 2013, quando a Intelie venceu um concurso de startups promovido pela Totvs.
+ Os desafios de mobilidade urbana nas cidades brasileiras
Durante o processo de seleção, um dos mentores da empresa foi Lélio Souza, então diretor de atendimento e relacionamento da gigante de software. “Eu me encantei com a empresa, principalmente pela qualidade técnica do time”, diz Souza. A vitória garantiu à Intelie um aporte de R$ 1,7 milhão, além de uma imersão de cinco dias no Totvs Labs, laboratório de inovação que o grupo mantém no Vale do Silício. Já madura, a empresa conquistou outros clientes de peso, como O Boticário e SulAmérica.
Ainda em 2013, a Intelie resolveu diversificar seus produtos, levando a tecnologia de análise de dados para o setor de petróleo e gás. Nesse caso, a proposta envolve outra tecnologia inovadora, a internet das coisas. Em uma perfuração em alto-mar, por exemplo, as sondas são controladas à distância por sensores que fornecem informações ininterruptamente. Uma plataforma digital da Intelie permite a análise descritiva e diagnóstica das máquinas.
A solução permitiu a diminuição de prazos e custos para clientes grandes como a Petrobras.
A expansão para diferentes setores levaria a empresa à internacionalização em 2015. Nesse projeto, os sócios da Intelie contaram com a ajuda de um grupo de alunos de MBA do MIT (Massachusetts Institute of Technology), que fizeram uma espécie de intercâmbio com a empresa brasileira. “Eles nos ajudaram a criar um go-to-market muito bem-feito, com análise de mercado e plano estruturado”, diz Clemente.
A princípio, decidiram focar no mercado internacional de óleo e gás. “Tínhamos um produto competitivo e as grandes companhias buscavam eficiência e custos mais baixos”, afirma o empreendedor. Clemente foi o encarregado de levar a ousada proposta adiante, abrindo um escritório em Houston, capital do petróleo no Texas.
+ “O Brasil tem um grande potencial para unir agricultura e tecnologia”
A empresa precisava de um novo CEO. A escolha natural recaiu sobre o antigo mentor, Lélio Souza. Ele topou trocar o cargo estável na Totvs para ganhar menos e trabalhar mais. “Sabia que teria de suar muito ao me juntar a uma startup”, diz. “Mas ao mesmo tempo teria a chance de sonhar junto com os empreendedores.”
Para Clemente, o desafio seria entrar no mercado americano e fazer as primeiras vendas. “Basicamente usei a estratégia de ‘seguir os brasileiros’ que poderiam abrir portas para a Intelie”, diz Clemente.
Com a expansão internacional, o negócio ganhou ainda mais visibilidade, conquistando grandes clientes na área de petróleo e gás. Na nova etapa, o faturamento dobrou — a empresa não revela números. O movimento chamou a atenção da gigante americana de tecnologia RigNet, especializada em sistemas e soluções customizadas para clientes com demandas complexas na área de big data.
As negociações começaram em julho do ano passado, mas o negócio só foi fechado em março deste ano. “A reputação e o histórico da Intelie com grandes marcas já falavam por si. Mas, aos conversarmos com os fundadores, percebemos que seria uma combinação natural”, diz Brendan Sullivan, CTO da RigNet. Os valores da transação não foram divulgados. Mas, segundo documentos da SEC, a Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos, a RigNet pagou US$ 3,3 milhões em dinheiro e o equivalente a US$ 7,5 milhões em ações pela startup. Além disso, poderá desembolsar mais US$ 17 milhões em até três anos, dependendo do cumprimento de metas. Ou seja, o valor total da aquisição pode chegar a US$ 27,8 milhões.
Apesar da RigNet deter 100% das ações da Intelie, seu corpo executivo se mantém intacto: Lélio Souza, o CEO, e os quatro fundadores, que ocupam postos de diretoria, continuam espalhados por Rio de Janeiro, São Paulo e Houston. “É muito legal ver uma empresa brasileira de tecnologia sendo reconhecida no exterior. Em breve, nosso produto poderá chegar a 50 países. Sinto que estamos colhendo tudo o que plantamos”, diz Clemente.
Ao falar da vida depois da venda, ele evita tocar no assunto dinheiro. “Nas últimas semanas, viajei para França, Inglaterra, Omã, Emirados Árabes… Fico feliz ao ver que aquele nosso projetinho de 2009 chegou tão longe.” O segredo do sucesso? Falcão dá uma pista. “Temos um entrosamento perfeito. Meus sócios são as melhores pessoas com quem eu já trabalhei na vida.”
Fonte: “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”