A ampliação do Minha casa, minha vida, anunciada em 6 de fevereiro, para famílias com renda de até R$9 mil é injusta, segundo o economista Leonardo Palhuca. Isso porque, os recursos usados para subsidiar as famílias com faixa de renda maiores são do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Na prática, famílias com rendas menores do que aquelas atendidas pelo programa habitacional do governo federal estarão financiando, através do FGTS, a casa de famílias com renda maior do que a sua. “Não é nada justo uma família com renda, digamos de R$ 3.000,00 e que recolhe o FGTS financiar indiretamente uma família com rendimentos maiores”, esclarece.
O governo argumenta que a medida criará mais postos de trabalho. Leonardo Palhuca, que também é colunista do site “Terraço Econômico”, lembra que esse tipo de política já foi testada antes sem sucesso. Para o colunista, continuamos a ter intervenção equivocada do Estado na economia.
Leia!
Instituto Millenium: Como funciona o subsídio do programa “Minha casa, minha vida?” De onde são os recursos?
Leonardo Palhuca: O MCMV foi criado em 2009 para ampliar o acesso de famílias de baixa renda à casa própria. A ideia é fornecer crédito habitacional para quem não teria como tomar um empréstimo habitacional no mercado – com bancos privados, por exemplo. E para fazer isso, o Governo Federal oferece um subsídio a essas famílias dependendo da faixa de renda familiar.
Como todo subsídio dado pelo governo, do outro lado tem a arrecadação desses fundos que deve ser paga pelos contribuintes. No caso do MCMV, o subsídio para as famílias das faixas 1, 1.5 e 2 (até R$ 3.600,00 de renda bruta familiar) vinha do Tesouro Nacional direto. Ou seja: de todos os tributos recolhidos e retidos pela União, parte disso era destinado ao MCMV. O que variava era o valor do subsídio recebido dependendo da renda familiar. Poderia ser até 95% do valor do imóvel, para famílias de menor renda.
Já para a faixa mais elevada que pode se enquadrar no programa, os recursos subsidiados são do FGTS. Ou seja: os trabalhadores e empregadores do setor formal que contribuem para o FGTS são os financiadores desse subsídio.
O governo anunciou que vai contemplar famílias com renda de até R$ 9 mil no programa. Essas famílias precisam desse subsídio? O que indica essa política?
Exatamente. O governo federal acabou de ampliar a faixa 3 do programa de R$ 6.500,00 para R$ 9.000,00, justamente a faixa que é subsidiada pelos recursos do FGTS.
Não sei se essas famílias precisam desses subsídios. Podem haver falhas de mercado que não permitam essas pessoas acessar o crédito habitacional. Talvez falta de garantias, um passado de calotes, enfim. Mas vamos pelo lado de ser justo ou não oferecer tal subsídio a essa parcela da população com algumas continhas simples
Tomemos uma família média de 4 pessoas. E que somente o pai trabalha e ganha R$ 9.000,00. É uma renda razoável. São 10 salários-mínimos. É uma faixa de renda que já está quase nos 10% mais ricos da população brasileira se considerarmos os dados dos declarantes do IR. Se as famílias precisam ou não desse subsídio é difícil de dizer. Mas é fácil de ver que não é nada justo uma família com renda, digamos de R$ 3.000,00 e que recolhe o FGTS financiar indiretamente uma família com rendimentos maiores. Se o intuito do programa é ampliar o acesso à casa própria para a população de menor renda, talvez esse não seja o caminho.
Muitas obras do programa já estão com problemas estruturais sérios. Falta competição entre as empresas que participam do projeto?
Talvez faltem regras mais claras e com menos brechas para que não aconteçam problemas de se aproveitar do regulamento. Por exemplo: o programa define que há uma área mínima para um apartamento de 39m² e que deve haver 2 quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. O que é mais barato para a construtora atender aos requisitos do programa? Construir 1 apartamento de 78m² para 1 família ou 2 de 39m² e assim na mesma área resolver o problema de 2 famílias?
Como boa parte dos programas, faltam regras claras e que levem em consideração a reação dos agentes – tanto construtoras, quanto compradores. Não adianta achar que só porque está escrito em uma lei X que a reação da construtora vai ser X. Não adianta dizer para a construtora que ela deve fazer um apartamento com certo padrão se na hora de aprovar o recurso para aquele imóvel não há nenhuma fiscalização ou ela não funciona. É preciso criar o mecanismo correto de incentivo para a construtora ir atrás do comprador e não do dinheiro do MCMV. Deixar o comprador com o poder de escolher, como em qualquer economia de mercado. As regras desses programas devem tentar emular os incentivos de mercado para evitar os problemas que foram reportados nas construções do MCMV recentemente.
O governo diz que deseja criar empregos com essa ampliação. Continuamos cometendo os mesmos erros?
Como sempre vamos nessa direção. Temos um problema geral na economia como a brutal recessão pela qual passamos e surgem soluções para impulsionar a economia. Geralmente naufragam. Mas os resquícios ficam por lá, a burocracia contratada para gerir o programa permanece no orçamento etc.
E novamente, talvez a solução não passe por mais um programa para estimular a economia e o trabalho deve ser feito na fundação da economia. Se as regras quanto a garantias para concessão de crédito fossem melhores e mais bem aplicadas, não precisaríamos de um programa de habitação que atende uma parcela da população que tem condições de caminhar com as próprias pernas. E cujo efeito na economia como um todo deve ser mínimo.
Continuamos a ter intervenção do Estado na economia?
Continuamos a ter intervenção equivocada do Estado na economia.
Parabéns pelo site.Gosto muito das matérias.Mas, não entendi porque as famílias de 3000 vão financiar as de 9000, se estas últimas também contribuírem para o FGTS?
Abraço!