Em 2020, o déficit primário do governo central (sem contar os juros da dívida) totalizou R$ 743,1 bilhões, impulsionado pelo combate à covid-19. O número ficou próximo do projetado pela IFI (R$ 779,8 bilhões). O rombo é elevado e será necessário um plano de saída bem construído para os próximos anos.
Era previsível o resultado negativo e, em 2021, a evolução do quadro pandêmico poderá exigir novas ações do governo para amenizar os efeitos da crise e salvaguardar a vida dos que estão sem emprego e renda. A esse respeito, vale ver o recente artigo do economista Cláudio Adilson para o Estadão. O fundamental é ter um plano de voo transparente e sinalizar firmemente para uma dívida que pare de crescer em relação ao PIB dentro de alguns anos.
Conforme dados divulgados ontem pelo Tesouro, as receitas líquidas de transferências a Estados e municípios caíram 13,5%, descontada a inflação, entre 2019 e 2020. A dinâmica da arrecadação refletiu o quadro recessivo, apesar de a economia ter apresentado desempenho melhor que o esperado. Provavelmente, uma recessão de 4,5%.
Já a despesa cresceu a 31,1% acima da inflação. As obrigatórias ficaram relativamente comportadas, a exemplo de pessoal, quase estacionado em 4,3% do PIB. A despesa do INSS, por sua vez, passou de 8,5 a 9,0% do PIB. As ações contra a covid, já contando com o auxílio emergencial a vulneráveis, nas duas versões (de R$ 600 e R$ 300), totalizaram R$ 539,4 bilhões, a preços de dezembro de 2020. Sem isso, a despesa total não teria crescido em termos reais em relação a 2019.
Para 2021, o risco de romper o teto de gastos é elevado. As despesas que podem ser cortadas, as chamadas discricionárias, estão previstas em R$ 83,9 bilhões, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), sem contar emendas parlamentares (impositivas).
Reduzi-las ainda mais poria em risco o funcionamento de certas políticas públicas, levando ao chamado “shutdown”, como é conhecida a paralisação da máquina pública lá fora.
A falta de planejamento é uma debilidade muito grave e antiga. Em períodos de crise, isso se torna ainda mais evidente. É urgente que o governo mostre, com clareza, a programação orçamentária de 2021 e as fontes de financiamento para os gastos não previstos, bem como se a válvula de escape prevista na regra do teto – o chamado crédito extraordinário – será utilizada. A crise ainda é profunda; a pandemia se alastra. É preciso reancorar as expectativas e dar um horizonte menos turvo à sociedade e ao mercado.
Fonte: “Estadão”, 29/01/2021
Foto: Dida Sampaio/Estadão