O governo anunciou ontem um conjunto de medidas para tentar melhorar a interlocução com o setor produtivo. Embora composto, em sua maioria, por ações requentadas, o pacote atendeu a algumas reivindicações apresentadas pelo Fórum Nacional da Indústria à presidente Dilma Rousseff no mês passado. Para analistas, porém, as medidas não serão suficientes para tirar a indústria da crise, porque os mesmos estímulos já foram tentados antes, recentemente, sem sucesso.
Uma das medidas anunciadas foi a recriação do Reintegra, programa que dá aos exportadores um crédito de PIS/Cofins sobre as vendas de manufaturados no exterior. Outra foi a prorrogação, até 2015, do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES. O volume de financiamentos concedidos pelo PSI quase dobrou no ano passado: foram R$ 80 bilhões, contra R$ 45 bilhões em 2012. Este ano, até abril, a cifra chega a R$ 25 bilhões.
Além disso, o novo Refis — que permite o pagamento de dívidas tributárias vencidas até dezembro de 2013 em condições favoráveis — será remodelado, e a primeira parcela ficará mais baixa. Vai variar de acordo com o tamanho do débito, podendo ficar entre 5% e 20%. O governo também saiu em defesa da indústria nacional e definiu uma margem de preferência de 25% para os produtos brasileiros nas compras governamentais. Hoje, essa margem varia entre 8% e 25% e já provoca reclamações contra o Brasil em organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC), por ser vista como um subsídio.
Analistas, porém, são céticos quanto à eficácia do pacote:
— É mais do mesmo, não funcionou no passado e não vai funcionar agora — disse Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios.
Dilma apresentou as medidas a um grupo de 30 empresários que compõem o Fórum, no Palácio do Planalto, antes de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciá-las. O ministro explicou que o governo vai retomar o Reintegra, mas em condições menos favoráveis. O crédito, que era de 3%, vai passar a variar entre 0,1% e 3%. Este ano, por exemplo, será de 0,3%. A renúncia fiscal prevista é entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões.
‘Podia ter eleição a cada seis meses’
Os empresários consideraram as ações um avanço, mas avaliou que a boa vontade da presidente está ligada ao ambiente eleitoral.
— A gente podia ter eleição a cada seis meses — brincou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato.
A presidente abriu a reunião propondo encontros periódicos, inclusive para tratar da renovação do parque industrial brasileiro, que se dariam em dois níveis: um mais geral, como o de ontem, e outro mais técnico, na forma de reuniões setoriais com os ministérios. Dilma afirmou que trazia respostas às demandas apresentadas, agradeceu à indústria pelas contribuições e passou a palavra ao ministro da Fazenda. No final, foi aberto espaço para que cinco empresários se manifestassem, e eles agradeceram.
— A indústria levou uma pauta e pediu respostas que não vieram em sua plenitude, mas vieram em parte. Todo mundo está conversando com a indústria. A oposição está conversando com a indústria. Eu não me iludo, não sou ingênuo, mas não podemos perder a oportunidade para gerar um comprometimento — disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais (Abirochas), Reinaldo Sampaio.
Participantes da reunião afirmaram que o encontro contribuiu para melhorar o clima e disseram que, até agora, tinham a impressão de que falavam sozinhos:
— Eu não diria que saí satisfeito e que vai ser a salvação da indústria, mas são medidas desse tipo que fazem com que os empresários tenham confiança para fazer investimentos — disse o presidente da Abinee.
Fazendo eco a uma queixa da indústria, Dilma afirmou, de acordo com participantes da reunião, que quer mais rigor do BNDES na exigência de conteúdo nacional, especialmente nas áreas de petróleo e gás. Os empresários reclamam que isso é uma “caixa preta” e que há muita “maquiagem”. A presidente afirmou que quer que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) se envolva na avaliação do que é conteúdo nacional.
País não pode parar, afirma Dilma
Dilma aproveitou a cerimônia de sanção do projeto de lei que garante aos motoboys adicional de periculosidade, após o encontro com empresários, para falar do pacote. Negou que tenha fins eleitoreiros. Admitiu que a intenção é melhorar a relação com os empresários, mas também a competitividade da indústria nacional. Segundo a presidente, o país não pode parar por causa das eleições, e as medidas foram anunciadas no prazo permitido pela lei.
— A lei é clara. Não se tomam certas medidas após um determinado prazo. Nós estamos perfeitamente no uso da legalidade neste país. E outra coisa: é impossível o país parar porque um ou outro acha que a medida tem essa ou aquela função ou destino. O que temos que discutir é o seguinte: isso é necessário ou não é necessário para as empresas, para as indústrias, é cabível ou não é cabível — disse a presidente. — Se não for cabível, está errado. Acho que não é só uma questão de melhorar a relação com os empresários, é uma questão de melhorar a situação de competitividade para nossa indústria.
O ministro Mantega anunciou ainda ajustes em normas que já estão vigentes. O Ministério do Trabalho, por exemplo, vai suspender temporariamente as multas que vinham sendo aplicadas às empresas que não se adaptaram às normas que elevaram de 40 para 340 os itens obrigatórios de segurança para os fabricantes e usuários de máquinas novas e usadas. Os empresários terão um prazo maior para se adaptar. A presidente também vai editar a chamada Lei de Acesso à Biodiversidade, que promove o desenvolvimento de novas tecnologias na indústria farmacêutica.
Na tentativa de mostrar que o governo está agindo em benefício da indústria, Mantega enumerou uma série de medidas já anunciadas. Entre elas, o programa Brasil Sem Burocracia e desonerações no mercado de capitais, lançadas em São Paulo na última segunda-feira.
— Estamos dissipando a crise e temos que nos preparar para um novo ciclo de expansão da economia — disse Mantega.
Ainda na cerimônia de sanção da lei que garante adicional de periculosidade de 30% sobre o salário de todos os trabalhadores que utilizam a motocicleta como meio de transporte (motoboy, mototaxista, carteiros), Dilma ganhou de presente um capacete e um colete, distintivos dos motoboys. Ela experimentou o capacete e usou o colete durante toda a cerimônia.
Fonte: O Globo.
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