Não tem jeito. Vivemos uma crise de representatividade. A presidente Dilma, meio atordoada, sem rumo, não consegue recuperar a confiança da sociedade. Seus indicadores de popularidade são os piores desde a redemocratização. O impeachment uma ameaça presente. Crescentes são as pressões da oposição, mesmo minoritária, do PMDB, do PT e do ex-presidente Lula. O presidente da Câmara Eduardo Cunha, cada vez mais encurralado, ameaça, se deposto, sair atirando, levando junto outros personagens da República.
Na política econômica, o Ministro Levy, embora “prestigiado” pela presidente, permanece em “suspense”. Muitos cogitam que a presidente estaria procurando um nome para o seu lugar, mas ainda não encontrado. Enfim, vivemos em permanente crise de governabilidade (impasse político), o que dificulta qualquer prognóstico. Qual seu desfecho? Será que a presidente sofrerá impeachment ou terá que renunciar? Ou será que conseguirá dar um “cavalo de pau” na gestão econômica, terminando seu mandato melhor do que começou? Tudo são conjecturas.
A única certeza que temos é que por este impasse político, a economia mergulha em profunda recessão, as principais variáveis se deterioram, a inflação ameaça passar de 10% neste ano e 7% em 2016, o câmbio flutua entre R$ 3,80 e R$ 4,00 e a política monetária se mostra pressionada, mesmo com o Bacen negando elevar a taxa de juros no curto prazo. Claro que boa parte desta piora da economia real decorreu de escolhas mal feitas no primeiro mandato. Este, aliás, é um ponto importante. A crise política que vivemos foi provocada pelos vários escândalos de corrupção do primeiro mandato, abalando a credibilidade do governo, mas também pela adoção errada de políticas econômicas mais heterodoxas. Destas, destaquemos a política fiscal (na época chamada de “anticíclica e keynesiana”), que mais gerou distorções na alocação de recursos do que seu objetivo de impulsionar a economia.
[su_quote]A única certeza que temos é que por este impasse político, a economia mergulha em profunda recessão[/su_quote]
Saímos de um superávit proposto de 3,1% do PIB no primeiro mandato da presidente, importante por servir de “freio de arrumação”, pelo desajuste das contas no final do ciclo lulista, para um déficit de 0,6% ao final de 2014, ameaçando passar de 1,5% neste ano. Desde o início do segundo mandato da presidente, o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um fiscalista e ortodoxo empedernido, da Escola de Chicago e da FGV, assumiu, prometendo um superávit primário em torno de 2,0% do PIB, algo próximo a R$ 66 bilhões que, em confrontação com os desafios de ajuste no Congresso, foi se moldando ao real politik, revisado a 1,1% do PIB, depois a 0,5%, até o mais recente, com déficit em torno de 0,8% do PIB (R$ 50 bilhões), mas, muito provavelmente, podendo passar dos R$ 110 bilhões ao final deste ano. Para isto, devem ser contabilizadas as “pedaladas fiscais” ainda neste ano (pagamentos do BNDES ao Tesouro), assim como uma revisão para baixo da arrecadação deste ano, até setembro em deterioração de 4%.
Devemos salientar, neste caso, que foi a boa base arrecadatória, com a economia em bom ritmo de crescimento, a grande responsável por sustentar a gestão fiscal dos últimos anos, até meados do primeiro mandato de Dilma. Dado que 91% das despesas são obrigatórias e o restante discricionárias, ou seja, passíveis de ajuste, restou ao governo pouco espaço de manobra para realizar uma gestão fiscal mais duradoura nestes anos. Sendo assim, a política econômica acabou pautada pelos estímulos ao consumo das famílias, pelo lado do crédito, mantendo a economia rodando e afastando pioras fiscais.
Voltando aos tempos atuais, o governo agora conta com uma série de receitas extras para o restante deste ano e o transcorrer do próximo, para tentar sair do atoleiro fiscal em que se encontra. Destas, destaque para a recriação da CPMF, até o momento de difícil aprovação no Congresso. Poderíamos lembrar também das concessões, dos leilões de hidrelétricas, da aprovação do Projeto de Lei de taxação sobre repatriações de recursos de brasileiros no exterior, da venda de ativos, como parte da Caixa Seguridade, da BR Distribuidora e do IRB, da renovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), dentre outros. Todas, já em tramitação ou em negociação no Congresso, no entanto não são garantias, ainda passíveis de serem descaracterizadas. Este, aliás, é outro ponto importante a ser ressaltado. O governo não conseguiu maioria para aprovar suas medidas e fazer valer o ajuste fiscal, o que vem enfraquecendo o trabalho do ministro Levy e sua equipe, em ataque permanente do PT e antes, do ex-presidente Lula.
Neste caso, deve-se ressaltar que Lula fez uma autocrítica na semana passada, pego em contradição depois que o mesmo ministro Levy o elogiou pela boa condução da política fiscal a partir de 2003. Nesta ocasião, o recém-eleito presidente do PT, depois da “Carta aos Brasileiros”, indicou uma equipe econômica mais ortodoxa, amigável ao mercado, e realizou um forte ajuste fiscal, com a meta de superávit primário elevada a 3,2% do PIB. Gerou com isto, um choque de credibilidade na economia e, a partir daí, pode governar com tranquilidade, até beneficiado pelos “ventos externos” mais favoráveis nos anos 2000 (crescimento maior da China e crédito externo mais abundante pelas baixas taxas de juros no mundo desenvolvido).
Esta evolução das contas públicas desde 2003, inclusive, pode ser vista pelo gráfico ao fim. No bom desempenho primário dos anos Lula, na média anual, superavitário em torno de 3,2% do PIB até a gestão Dilma, no seu primeiro mandato, quando tudo virou. De 2011 até 2014 o saldo primário, na média anual, se transformou em déficit de 1%.
Deu no que deu. Vivemos hoje uma crise profunda, política e econômica, sobretudo de confiança, e uma virada de ânimo, na chamada “ancoragem de expectativas”, só mesmo repetindo Lula em 2003.
Será que ainda dá tempo? Sinceramente, não acreditamos.
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