A Associação Nacional de Jornais (ANJ) completou 30 anos. Ao contrário do que insinuam os representantes de uma visão amarga e rançosa, a instituição tem sido responsável pela crescente profissionalização dos jornais, pela promoção do debate aberto e democrático e pela defesa firme da liberdade de imprensa e de expressão.
A entidade, corretamente, tem feito da defesa da liberdade de imprensa sua opção preferencial. Assistimos, com a intermitência das chuvas de verão, ao rebrotar de lamentáveis tentativas de controle da informação. O caso mais recente e clamoroso é a censura judicial ao jornal O Estado de S. Paulo. A ANJ, mais uma vez, não se omitiu e foi firme na condenação do abuso antidemocrático. Sem prejuízo do meu sincero respeito pelas decisões do Judiciário, a censura prévia ao jornal é uma bofetada na democracia. O controle ao jornal é um precedente gravíssimo. É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode-se transformar em rotina judicial. E a democracia será apenas uma fachada.
Em recente artigo publicado na Folha de S.Paulo, o jurista Walter Ceneviva enfatizou que proibir a publicação de notícia na mídia é, de fato, censura judicial. O direito constitucional aceita que o Judiciário possa punir quem se exceda na manifestação do pensamento, mas não permite que jornais sejam proibidos de publicar notícia, informação ou crítica.
Tese análoga foi defendida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, em recentes declarações ao Estadão. Mello disse que jamais decretaria censura ao jornal, como fez o desembargador Dácio Vieira a pedido da família Sarney. “Que se combata o vazamento de conversas telefônicas, mas sem se chegar ao cerceamento da liberdade de expressão”, sublinhou. Seu colega, ministro Celso de Mello, também um sensível defensor dos valores democráticos, foi igualmente direto e certeiro. “Nada mais nocivo que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre, essencialmente livre. Liberdade de imprensa concerne a todos e a cada cidadão. Esta garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática”, salientou o ministro em conversa com o jornal O Globo.
O que está em jogo, para além da garantia constitucional da liberdade de imprensa, é o direito que tem a sociedade de ser informada. É difícil imaginar que o Brasil possa superar a gravíssima crise ética que transformou amplos setores do serviço público num exercício de cinismo e arrogância sem ampla e plena liberdade de imprensa e de expressão. Por isso, manifestações públicas de representantes da mais alta Corte judicial são uma lufada de ar fresco na cidadania. O Brasil pode contar com a seriedade e o espírito democrático daqueles que têm por ofício interpretar o espírito e a letra da Constituição. A censura prévia foi enterrada com a ditadura. Felizmente. E um outro Brasil, aberto, plural e essencialmente democrático, aflorou dos cacos da repressão e do autoritarismo.
Preocupa também, e muito, o controle da mídia por grupos com projetos de poder e perfil marcadamente radical e antidemocrático. A democracia cresce quando os meios de comunicação têm trajetórias transparentes. A defesa do Estado de Direito passa, necessariamente, por um compromisso claro e histórico com plataformas de informação. Pode-se concordar ou discordar da linha editorial das empresas de comunicação, mas há um valor inegociável: a transparência do negócio e o compromisso com valores éticos básicos. Jornalismo não é, e não deve ser, propaganda ideológica ou passaporte para ações pouco claras.
As ações da ANJ, no entanto, não se limitam à irrenunciável defesa da liberdade. A entidade tem sido, de fato, um fórum extraordinário para a discussão dos rumos do jornalismo de qualidade. Participo, com entusiasmo, do Comitê Editorial da ANJ e constato, juntamente com meus colegas de comitê, que os diários continuam fortes e têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um autêntico jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional só têm sido possíveis graças à força do binômio da democracia: jornalismo livre e opinião pública informada.
A revalorização da reportagem e o investimento exponencial na informação local têm ocupado a agenda da ANJ. Teimosamente escanteada pelo comodismo do jornalismo de hambúrguer (insosso e pouco criativo), a reportagem é uma das mais nítidas demandas do leitorado. É preciso atrair o leitor com matérias que rompam com a mcdonaldização dos jornais. Autor do mais famoso livro sobre a história do jornal The New York Times, Gay Talese põe o dedo na chaga da crescente ausência de boas reportagens. “Não fazemos matéria direito, porque a reportagem se tornou muito tática, confiando em e-mails, telefones, gravações. Não é cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava telefone. Queria ver o rosto das pessoas. (…) Não se anda na rua, não se pega o metrô ou um ônibus, um avião, não se vê, cara a cara, a pessoa com quem se está conversando”, lamenta Talese. Tem razão.
Defesa da liberdade, renovação de leitores e investimento em informação ética e bem apurada compõem um retrato de corpo inteiro do trabalho da Associação Nacional de Jornais, uma entidade comprometida com a democracia, a cidadania e o jornalismo de qualidade.
(O Estado de SP – 24/08/2009)
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