Se a História recente do Brasil, desde o fim da ditadura militar, mostra que as relações entre o Executivo e o Legislativo têm sido marcadas pela troca de favores “pouco republicanas”, e são recorrentemente fonte de escândalos, longe da harmonia e independência como reza a cartilha das melhores democracias, é pouco prudente esperar que haja mudanças significativas após a chegada ao poder, em 2015, de um novo presidente e de um novo Congresso eleitos sob as mesmas regras do jogo.
No debate “Como avançar em um cenário marcado pelo presidencialismo de coalizão?” promovido nesta quarta-feira pelo Instituto Millenium e pela Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o advogado e cientista político Murillo de Aragão e o historiador Marco Antônio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos, fizeram um retrospecto do sistema político brasileiro e projetaram o que pode acontecer na relação do presidente que será eleito em outubro com o Legislativo.
Apoio parlamentar em debate
Ajustando o foco para a corrida presidencial em que temas como a “nova política” e o sepultamento de velhas práticas para garantir apoio parlamentar majoritário estão no debate, ambos concordaram que a reeleição de Dilma Rousseff (PT), dissociada de uma reforma política, dificilmente produzirá uma ruptura do modelo atual. Para Aragão, o mesmo acontecerá na eleição de Aécio Neves (PSDB), hoje cenário menos provável a se considerar as pesquisas de intenção de voto. Para ele, uma vitória de Marina Silva (PSB) levará a um cenário mais difícil de se prever.
— Se Dima for eleita, ela já tem uma coalizão que a apoia na campanha e que trabalhará com ela no Congresso. Se Aécio é eleito, acredito que teremos padrão semelhante: ele vai organizar, provavelmente também com o PMDB, uma maioria com partidos. Se vence a Marina, é uma incógnita a partir do que ela diz e da realidade da política brasileira — avalia Aragão: — Qualquer presidente eleito tem um período de graça para se organizar, é a tradição brasileira. Depende também da economia, que se estiver bem pode estender esse período.
No debate realizado na sede da ACRJ e mediado pelo presidente da casa, Antenor Barros Leal, Marco Antônio Villa disse acreditar que uma candidatura de oposição pode representar alguma mudança.
— Se a oposição ganha deve mudar, pois ambos são críticos a este modelo. A diferença (entre Marina e Aécio) é que ela tem um partido menor. No caso do Aécio, talvez seja mais fácil construir uma maioria, por já ter uma base maior O governo atual (do PT) parece satisfeito com essa relação com o Congresso. É uma chantagem de mão dupla: o Executivo consegue uma maioria folgada e os parlamentares mordem nacos do governo — diz Villa: — O nó é como garantir uma governabilidade, ter maioria no Legislativo, sem entrar em contradição com uma gestão eficaz do governo. Como se dará a relação com um Congresso acostumado a práticas pouco republicanas? Qualquer presidente deveria, no dia da abertura dos trabalhos no Congresso, propor uma negociação aberta, de cunho programático, para fazer sua base.
No eterno adiamento de uma reforma política, a deterioração da democracia no Brasil vai se acentuando. Para os dois analistas, os partidos têm se mostrado instituições cada vez menos representativas, restringindo-se mais a meras marcas para a disputa do voto.
— Praticamente não há partidos verdadeiramente nacionais: prevalece sempre a sobrevivência do líder local. Fora da questão regional, vão sendo feitas as alianças por conveniência. Os partidos são meras equipes de competição eleitoral — critica Aragão: — A coalizão no Congresso acaba servindo muito mais de proteção ao governo do que propriamente por uma agenda comum. É ter uma agenda mínima, não fazer CPI, não mudar muito o Orçamento e pronto. Por outro lado, esse presidencialismo de coalizão tem lados positivos. Quando se acusou o governo do PT de lançar alguns projetos que seriam “bolivarianos”, o Congresso reagiu prontamente. Isso dá estabilidade institucional.
Marco Antônio Villa fez um histórico da relação dos presidentes brasileiros com o Congresso nos últimos 30 anos e afirmou que o clientelismo é extensivo a praticamente todas as esferas de poder no país.
— Não há prefeito no Brasil que tenha relação republicana com a Câmara de Vereadores — critica o historiador.
Fonte: O Globo.
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