Parágrafo sobre remoção de conteúdo limita liberdade de expressão
Por Pablo Cerdeira
Nas próximas eleições, se não houver veto da Presidência da República, os brasileiros — a imprensa, inclusive — terão sua liberdade de expressão duramente limitada. Isso porque a Câmara e o Senado aprovaram, em tempo recorde, a inclusão de um parágrafo no artigo 57-B na lei eleitoral que obriga aplicativos e redes sociais a removerem conteúdo que entendam ser ofensivo ou contendo informação falsa em menos de 24 horas, sem necessidade de ordem judicial.
Qualquer candidato que se sentir ofendido por postagem ou mesmo matérias jornalísticas divulgadas por redes sociais poderá exigir a remoção do conteúdo e a identificação do autor. Sem pedir para juiz, e baseado em critério meramente subjetivo — o que é ofensivo?
A liberdade de expressão é debate “antigo” — para padrões da internet. Em 2009, a questão já era discutida, quando se começou o processo de elaboração do Marco Civil da Internet. E lá ficou claro que para “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, qualquer remoção de conteúdo dependeria expressamente de ordem judicial.
O Marco Civil não inovou. Apenas reforçou o que a Constituição já garante em diversos artigos e incisos. E ela o faz de forma inteligente: garante a livre manifestação do pensamento e, logo depois, assegura o direito de resposta e de indenização nos casos de danos. Também determina que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer meio de comunicação”.
Dados do Congresso em Números, da FGV Direito Rio, mostram que o tempo médio de tramitação de projetos de lei no Senado, após sua aprovação na Câmara, é de 242 dias. Este, que limita a expressão na internet, foi aprovado pelo Senado em menos de cinco horas. Não houve tempo para qualquer discussão a respeito.
Se não houver veto da Presidência da República ou se ela não for considerada inconstitucional pelo Supremo, talvez a mais impactante das reformas eleitorais não tenha sido a cláusula de barreira progressiva ou o fundo eleitoral, mas sim a limitação à liberdade de expressão. Será uma eleição praticamente sem internet. Em silêncio.
* Pablo Cerdeira é professor do Centro de Tecnologia e Sociedade, da Escola de Direito da FGV/RJ
Fonte: “O Globo”
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