Comemoram-se na próxima semana os 25 anos da queda do Muro de Berlim, que encerrou o conflito iniciado no pós 2ª Guerra Mundial. Foi uma vitória militar total da Otan, liderada pelos Estados Unidos, contra o Pacto de Varsóvia, chefiado pela Rússia comunista. O fim surpreendeu, pela velocidade e pela forma pacífica com que ocorreu, e mais ainda pelas consequências da paz. A contenda terminou sem a hecatombe nuclear temida por muitos. O muro desmoronou em Berlim e fez com que outros tivessem o mesmo destino, como os que dividiam a Alemanha em Oriental e Ocidental e a Europa em dois blocos – além de alguns muros ideológicos.
Foi também o início do fim da União Soviética e o começo de uma nova dinâmica econômica, mais global. O mundo se tornou mais plano, o comércio, que respondia por 36,8% do PIB mundial, aumentou para 61,7% desde a queda do muro.
O processo de globalização apresenta falhas, como a dominância financeira, mas é irreversível. Expandiram-se os mercados de compra de insumos e de vendas de produtos para todos os países. Alguns conseguiram aproveitar melhor do que outros o novo cenário e cresceram mais que o resto. Entre os ganhadores estão Chile, Peru, Coreia do Sul e parte da África; e o conjunto dos perdedores inclui Argentina, Venezuela, Japão e a maioria da Europa.
É irônico, mas o grande vitorioso na guerra foi o maior perdedor no período posterior: os Estados Unidos, que detinham 22,5% do PIB mundial quando caiu o muro e viram sua participação encolher para 16,9%. Enquanto isso, a China, um país comunista, aumentou a sua de 4,1% para 15,8%.
Nesse período, o Brasil, que tinha um produto interno correspondente a 4% do PIB mundial, viu sua participação cair para 3%. E o setor mais prejudicado com o novo quadro mundial foi a indústria nacional, que encolheu sua quota no produto interno de 29,5% para 13,1%.
É preocupante que ainda continue a tendência de diminuição da manufatura brasileira. As projeções para este ano são de queda em relação ao ano passado e, para os próximos anos, de um crescimento menor que os demais setores. Na média, a indústria está encolhendo, apesar de algumas exceções.
Mudanças– É inequívoco que o Brasil nos últimos 25 anos não soube, ou não quis, se ajustar ao novo cenário mundial. É imperativa uma mudança de estratégia. A agenda de mudanças é extensa e, entre outras ações, exige ajustes em três frentes: no câmbio, na competitividade e na política comercial.
A abertura cambial brasileira foi fragmentada. Por um lado, o mercado de derivativos, que é importante e necessário, foi aberto e é eficiente e sofisticado. Por outro, o mercado à vista continua fechado e burocrático. Atualmente, em volume, há quatro vezes mais negociações no futuro do que no spot.
As consequências são letais para a indústria, que tem uma volatilidade elevada nas cotações. Piorando a situação, a taxa de câmbio foi utilizada para estabilizar a inflação, como no período logo após a implantação do Plano Real e no atual, tirando competitividade internacional da produção local.
A prescrição para o câmbio seria a de permitir contas em divisas para empresas e cidadãos no Brasil e a livre conversibilidade do real. Isso acabaria com a fragmentação do mercado cambial e permitiria haver uma proteção à indústria brasileira das oscilações do valor da moeda nacional.
Ganhos adicionais seriam auferidos com ajustes na política anti-inflacionária, melhorando os mecanismos de transmissão e aprimorando o regime de metas para reduzir a taxa de juros neutra e, com isso, diminuir a pressão de valorização do câmbio.
O segundo conjunto de ajustes seria para melhorar a competitividade do Brasil. Em sofisticação empresarial, o país está com os mais bem colocados do mundo, mas em burocracia fica nos últimos lugares. Na média, está mal. O ranking divulgado na semana passada pelo Banco Mundial mostra o país em 120.º lugar, num total de 189.
Comparando o Brasil com o resto da América do Sul, ele só está melhor que Argentina, Guiana e Venezuela, e pior do que todos os demais. Para pagar impostos, gasta-se 9 vezes mais tempo no Brasil do que no Chile, e para abrir uma empresa demora-se 15 vezes mais. Há avanços em competitividade, mas a uma velocidade menor que no resto do planeta, o que faz com que o Brasil ande para trás nos rankings.
Num mundo cada vez mais plano, investimentos em novas empresas são canalizados para onde é mais fácil produzir. Como há proporcionalmente mais entraves aqui do que em outros países, a dificuldade em atrair esses recursos é maior e isso faz com que eles migrem para outros destinos.
A correção a ser feita é começar a fazer ajustes mais rapidamente que os demais países para ganhar posições em competitividade, descomplicando a atividade de produzir no Brasil.
O terceiro ponto a ser corrigido é a abertura comercial do país, que foi tímida e equivocada. O grau de abertura da economia brasileira é de 27,6%, menos que a metade da média mundial.
A política de proteger algumas indústrias com tarifas de importação elevadas ou a exigência de índices de nacionalização para alguns produtos prejudica o conjunto, que tem de pagar mais caro pelos insumos.
Há situações em que são necessárias barreiras temporárias para dar musculatura à manufatura local, mas o potencial de crescimento para a indústria está na sua integração com as cadeias produtivas globais, e não no isolamento.
O Brasil tem capacidade empresarial, mão de obra, recursos naturais, escala e acesso a tecnologia, e, mesmo assim, está crescendo menos que o resto do planeta. Há um muro que atrapalha o desenvolvimento do país. Ele é ideológico e tem de ser derrubado.
O modelo de substituição de importações, desenvolvimentista, cartorial, protecionista, burocrático, privilegiando o mercado interno, ficou repentinamente obsoleto em 1989. Alguns se deram conta disso, outros ainda não.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 3/11/2014
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