Escrevi uma coluna algo ligeira sobre petróleo e privatizações em 26/12. David Zylbersztajn me fez o favor de lembrar os avanços da era FHC. Publiquei na última quinta. Aí, por e-mail, Décio Oddone, diretor da Agência Nacional de Petróleo, colocou tudo numa perspectiva mais completa. Seguem aqui trechos de suas observações:
“Vivemos foi um processo que foi evoluindo, mas, também, involuindo. Na exploração e produção, a descoberta do pré-sal no governo Lula levou às discussões sobre um novo regime, a criação da partilha e a interrupção dos leilões. O resultado é conhecido. Em 2014 quando o preço do petróleo caiu e surgiu a Lava-Jato, o setor entrou em crise profunda. A concentração das atividades na Petrobras impediu a venda dos campos maduros no Nordeste e na Bacia de Campos, o que levou a quedas de produção superiores a 40%. O atraso no desenvolvimento do pré-sal causou prejuízo trilionário.
Nos setores de abastecimento e de gás natural, apesar da constituição e da lei estabelecerem o regime de livre concorrência, mais de 20 anos se passaram sem que qualquer medida tivesse sido tomada para reduzir a presença da Petrobras. Ao contrário, o que se viu foi um esforço para aumentar a presença da estatal.
No governo FHC não foi possível avançar com a venda dos campos maduros e de refinarias. As tentativas morreram dentro da própria Petrobras. … Os setores corporativistas prevaleceram e nada foi feito.
Por fim, fruto da crise, em 2016, a Petrobras ganhou autonomia e passou a operar de forma independente do governo. Isso mudou a dinâmica do setor. A existência de um ator dominante com liberdade para definir preços e portfólio de investimentos levou a mudanças na atuação dos órgãos de regulação e de formulação de política.
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A ANP passou a agir com o objetivo de aumentar a transparência na divulgação e a concorrência na formação dos preços. E em 2018 tomou quatro iniciativas fundamentais para as transformações que estamos vendo agora. Acionou o CADE para que investigasse o monopólio de fato da Petrobras no refino. Deu prazo para a Petrobras definir o destino de 250 campos maduros, se ia investir ou vender. Solicitou que o CADE também avaliasse a concentração no mercado de gás natural. E abriu consultas públicas sobre medidas para a aumentar a concorrência no mercado de combustíveis.
Em 2019, o novo governo complementou essas iniciativas com medidas do Conselho Nacional de Política Energética. Aprovou resoluções sobre venda de refinarias, abertura no setor de gás e competição no mercado de combustíveis.
Pela primeira vez os órgãos reguladores (ANP e CADE) e de política energética (CNPE) atuaram de forma conjunta com o objetivo de criar um mercado de petróleo e gás aberto, dinâmico e competitivo no Brasil.
A Petrobras vem vendendo campos maduros (está em processo para desinvestir de mais de 180 deles e declarou que deve sair totalmente da exploração e produção em terra e águas rasas, o que abre espaço para que outras empresas possam investir) e assinou acordos com o CADE para vender refinarias e ativos de gás natural.
Finalmente o processo de abertura se completará e os objetivos estabelecidos nos anos 90 serão alcançados.
O governo FHC foi fundamental para que tudo isso ocorresse, mas não foi capaz de avançar nas questões dos campos maduros, do refino, do abastecimento e do gás. Reformar por etapas é natural em um país como o nosso. Eu escrevo para lembrar que não devemos esquecer o esforço dos governos Temer e Bolsonaro, e o papel essencial da ANP e do CADE, para que finalmente, depois de mais de 20 anos, e ainda em tempo de aproveitar as últimas décadas da era do petróleo, possamos ter uma indústria em substituição de um monopólio.”
Chamo a atenção do leitor para o trecho neste último parágrafo: “aproveitar as últimas décadas da era do petróleo”. Para registrar que os governos Lula e Dilma foram os que mais fizeram alarde com o petróleo e a Petrobras. E foram os que mais atrasaram e mais destruíram a Petrobras, com erros de gestão e corrupção, grossa corrupção.
Por fim, uma palavra de agradecimento aos que nos escreveram: com leitores assim, fica fácil.
Fonte: “O Globo”, 9/1/2020