Ação Afirmativa à brasileira: necessidade ou mito? A importância de distinguir o contexto racial brasileiro do norte-americano. Parte I
As diferentes formas de colonização realizadas no Brasil e nos Estados Unidos geraram conseqüências importantes quanto ao modo segundo o qual se desenvolveram as relações raciais em cada um dos países. A despeito de essa análise ser de suma importância para o estudo das ações afirmativas para pretos e pardos, a fim de sabermos se o problema da integração do negro no Brasil tem conteúdo exclusivamente racial tal como ocorrera nos EUA, espantosamente o estudo da história de cada país vem sendo relegado a segundo plano por aqui, especialmente pelos juristas, que tradicionalmente escrevem a favor da simples necessidade de importação do modelo e de aplicar a teoria de “tratar desigualmente os desiguais”.
Profundas foram as diferenças quanto à colonização efetuada por Portugal e pela Inglaterra, o que influenciou decisivamente a formação do povo brasileiro e do estadunidense. No Brasil, por exemplo, a miscigenação entre as raças decorreu de um processo natural, devido à forma como se processou a colonização. Nos Estados Unidos, diferentemente, a miscigenação foi combatida, proibida por lei e a separação entre brancos e negros, estimulada, pela sociedade e pelos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, em seus diferentes níveis. Senão, vejamos.
A colonização feita por ingleses foi realizada no intuito de povoar a terra, originando núcleos familiares. Mudanças estruturais na Inglaterra haviam ocorrido, devido ao estabelecimento das manufaturas e conseqüente cercamento dos campos, o que, aliado aos conflitos religiosos, fizeram com que houvesse uma multiplicidade de pessoas ávidas a sair do país e a obter ocupações. O sucesso dessa empreitada colonizadora pode ser explicado ainda por outros fatores, como clima semelhante a ensejar o minifúndio e a policultura, e religião protestante, a glorificar a ética do trabalho e a recompensa ao esforço individual. As condições em que se desenvolveu a colonização nos Estados Unidos geram uma série de ilações no que tange à questão racial.
Primeiro, porque a colonização efetuada por famílias fez com que não houvesse nos Estados Unidos uma forte miscigenação, da maneira como foi conhecida no Brasil — não havia carência de mulheres. Segundo, porque o estabelecimento da mão-de-obra escrava somente teve início efetivo a partir do século XVIII, até então, contava-se com o trabalho dos brancos. Terceiro, porque a religião protestante admitia o divórcio, logo, às mulheres era garantido o direito de se divorciarem dos maridos que, eventualmente, praticassem a infidelidade com as negras, o que dificultou a miscigenação.
No Brasil, a colonização realizada por Portugal nos fez herdar características já presentes naquele reino, em todos os aspectos da vida social. Não havia em Portugal excedente populacional apto a promover a colonização. Quando esta foi finalmente efetuada, realizou-se apenas por homens brancos, o que propiciou intenso caldeamento com as mulheres negras e as indígenas. Não é à toa que o geneticista Sérgio Pena conseguiu identificar que a matrilinhagem genômica, na análise do DNA dos brasileiros, é predominantemente africana e ameríndia. A par desse aspecto, a religião Católica não admitia o divórcio, o que facilitou a miscigenação, pois em um Estado Católico às mulheres só era dado resignarem-se.
Outra distinção importante entre o Brasil e os Estados Unidos pode ser observada quanto ao modo em que se desenvolveu o processo abolicionista. No Brasil, a abolição decorreu de necessidade econômica premente relativa à escassez da mão-de-obra. A par desse aspecto, a existência de uma quantidade considerável de negros livres – 90% – anteriormente à abolição fez com que a inserção desses na sociedade ocorresse de maneira paulatina e gradual, de modo que a abolição, quando aconteceu, não gerou grande transformação na sociedade.
Após a aquisição da liberdade, não houve restrições para que os negros ocupassem determinados cargos ou empregos, ou que freqüentassem certos lugares. Do contrário, aqueles que conseguiram qualificação puderam ocupar cargos de prestígio. A propósito, no Brasil, a assunção de postos sociais relevantes por negros era prática usual mesmo antes da abolição, como demonstra a Ordem de 1731, emanada por D. João V. Por meio desta, o Rei conferiu poderes ao Governador da Capitania de Pernambuco, Duarte Pereira, para que empossasse um negro no cargo de Procurador-Geral da Coroa, de grande prestígio à época, afirmando que a cor não lhe servia como um impedimento para exercer tal função.
Em suma: no Brasil, felizmente conseguimos superar a vergonha da escravidão sem termos desenvolvido o ódio entre as raças. O ingresso lento, porém constante, do negro livre na sociedade, preparou a população brasileira para a chegada destes no mercado de trabalho. Não foi à toa que no Ceará foram os brancos jangadeiros quem iniciaram o movimento abolicionista, a partir do slogan: “No Ceará não entrarão mais carregamentos de escravos!”. Da mesma maneira, em São Paulo, foram os trabalhadores ferroviários brancos especialmente ativos na campanha abolicionista.
De outra maneira, a abolição da escravatura estadunidense foi marcada pela maior e mais violenta guerra pela qual passaram os norte-americanos, deixando um saldo de 600 mil mortos. O resultado do conflito foi o acirramento do ódio dos brancos para com os negros. Naquela sociedade, não havia uma expressiva quantidade de negros livres anteriormente à abolição: 87,5% permaneciam escravos. Naquela sociedade, a concessão da alforria aos escravos era praticamente impossível: inúmeras leis ora proibiam a alforria, ora decretavam o exílio forçado para a África dos escravos que porventura conseguissem a liberdade, ora impunham pesadas multas para o proprietário que quisesse libertar o negro e ainda os obrigava a responder civil e penalmente por todos os atos praticados pelo recém-liberto.
Ademais, é importante destacar que a sociedade norte-americana era marcada por uma profunda competição individual. Era a chamada terra das oportunidades, como se referia Tocqueville. Os negros livres eram considerados ameaças, rivais a serem afastados ou removidos. Dessa maneira, a maioria dos operários brancos não somente se absteve de ajudar os negros na campanha abolicionista, como, sobretudo, realizou motins para atacá-los, por vê-los como concorrentes nos postos de emprego.
Quando nos Estados Unidos decretou-se a abolição da escravatura, houve a inserção forçada no mercado de trabalho de um grande número de negros livres que passaram a disputar espaços na sociedade, pela primeira vez, com os brancos. Aliado a esse fator, a principal razão da Guerra Civil norte-americana, cujo saldo de mortos em termos proporcionais à quantidade da população até hoje não foi superado por nenhum outro conflito, foi o impasse provocado pela decisão de permitir ou não a permanência da escravidão nos estados do sul do país.
A incipiente competição entre negros e brancos no mercado de trabalho, conjugado com o fato de os negros terem sido considerados os verdadeiros culpados pela guerra sangrenta que dividiu o país, gerou um ódio racial violento e segregacionista e fez surgir organizações como a Ku Klux Klan e os Conselhos dos Cidadãos Brancos, que proclamavam a inferioridade da raça negra e a necessidade de expulsá-los dos Estados Unidos, a fim de dar início a um governo exclusivamente de brancos e para brancos.
Nos Estados Unidos, a segregação não fora promovida apenas por organizações particulares, mas, espantosamente, pelo próprio Estado, por isso que esta é também chamada de segregação institucionalizada, ou Estado racialista. Efetuada por meio de leis — que visavam impedir que brancos e negros freqüentassem os mesmos ambientes — por meio de decisões judiciais — que reafirmavam a posição discriminatória levada a cabo pelo Governo — e por meio da formação de um consciente coletivo discriminatório, caracterizado pelo fato de a maior parte da população não enxergar as duas raças como iguais e, diuturnamente, promover a separação.
Desse modo, a adoção do sistema Jim Crow (denominação conferida às leis racistas, em referência a um número de canto e dança em que cantores brancos se pintavam de negros e dançavam imitando macacos) no sul dos Estados Unidos trouxe conseqüências muito graves para os negros. Na medida em que o próprio governo institucionalizou a segregação, fez surgir no imaginário nacional a idéia de que a separação entre brancos e negros era legal e legítima, de que não era correto haver relações entre as raças, nem mesmo de cordialidade. Despertou a consciência das pessoas para a diferença, em vez de procurar promover a igualdade.
É isso que queremos para o Brasil? Será que aqui as conseqüências da imposição de um Estado racializado seriam diferentes? Não existe racismo bom, nem racismo do bem. Não existe racismo politicamente correto. Todo racismo é perverso e deve ser evitado.
Forma natural?Meu Deus!!!Voces não querem levar o debate a serio.
Quais eram os direitos das mulheres na época da escravidão,incluindo as próprias mulheres dos senhores?Quase nenhuma.Agora imagina qual era os direitos das escravas ?Nenhum.
O processo de misigenação sra.Roberta,não foi aquela maravilha conforme dizem os nossos livros.Houves estupros das escravas que eram obrigadas ser objetos sexuais de seus senhores.
Por favor,o debate não deve feito por mentiras.
Todo racismo e’ atavico e perverso. Sou contra qualquer cota, pois introduzem parcialidade no julgamento, quando a qualidade de todo julgamento esta na imparcialidade. Existem graves diferencas de possibilidades e oportunidades entre as diferentes cores no Brasil. Basta olhar a cor da populacao e a cor dos mais privilegiados para se saber como a coisa e’. Enquanto cotas e’ selecao negativa contra uma cor, acao afirmativa e’ BUSCAR os menos privilegiados e prover-lhes condicao de igualdade.
Só faltou a autora do post exigir que os escravos agradecessem e homenageassem os escravocratas pela libertação.
Observem o fragmento do parágrafo do texto acima:”às mulheres era garantido o direito de se divorciarem dos maridos que, eventualmente, praticassem a infidelidade com as negras, o que dificultou a miscigenação”. A autora se refere às brancas como “mulheres”, e às MULHERES negras como simplesmente “negras”, como se fossem coisas, omitiu os escravos negros que deram a vida pela liberdade, como se essa tivesse sido dada de forma pacífica e natural, por benevolência dos escravocratas.
Puxa…
Como eu sou ignorante em história!
Até hoje eu pensava que tinha sido a Princesa Isabel que assinou a Lei Áurea e que DEU a liberdade para os escravos
Fábio,
O texto mostra que a miscigenação no Brasil não foi proibida, como aconteceu nos EUA. Até 1967 as relações entre brancos e negros era proibida por lei, nos EUA. Por conta disso, mesmo com o critério classificatório da “uma gota de sangue”, os negros nos EUA são apenas 10% da população.
No Brasil, diferentemente, a miscigenação não foi proibida por lei. Houve muita violência neste processo, houve muitos estupros. Mas não somos todos filhos do estupro.
Fábio,
Antes da abolição da escravatura no Brasil 90% dos negros já eram livres. A nossa miscigenação não aconteceu somente no período escravocrata. Ademais, a miscigenação também aconteceu com índias, que não eram escravas.
Uma das explicações para este fenômeno nos é dada por Sérgio Buarque de Hollanda, quando ele falava da “plasticidade” do povo português, que nunca teve “orgulho de raça” e que via com naturalidade o processo de mistura. Mas ele deve ser racista, do seu ponto de…
A “doutora” Roberta Kaufmann enloqueceu…para ela, as coisas deveriam permanecer como estão…tudo aos ricos brancos…nada aos pobres negros…
Mas, Roberta, não se preocupe, pois, no Brasil, tudo é diferente…não haverá a exaltação de ânimos, que tanto lhe provoca temor…
Tudo no Brasil é diferente…já estamos há mais de 10 anos com cotas raciais em algumas universidades e sem nenhuma carnificina de preto contra branco…exceto algumas querelas de brancos contra negros…
O Brasil é…