Na situação desesperadora em que se encontrava o estado do Rio de Janeiro, qualquer acordo seria melhor do que nenhum
É chocante como a situação fiscal dos estados (e, em boa medida, dos municípios) se deteriorou tanto diante da maior recessão de nossa história. Volto ao tema, porque na mídia só há combate à corrupção… não é possível que o sofrimento implícito na gigantesca taxa de desemprego do momento não sensibilize as pessoas a cobrar mais atenção ao equacionamento do problema econômico, em grande medida associado à gigantesca crise fiscal que nos legaram as recentes administrações petistas.
Um problema estrutural sério, que só aos poucos começa a ser percebido, é a dominação dos orçamentos públicos pelos interesses setoriais estabelecidos: “Poderes” (Judiciário, Ministério Público e Legislativo), Segurança, Saúde e Educação, e também pelo pagamento de dívida, que o Ministério da Fazenda retém antes de mandar as transferências para os estados.
Ressalte-se que, nos lobbies setoriais, não se admite qualquer pagamento relacionado com previdência, um dos itens de maior peso na pauta de gastos, forçando o governador a ter de se virar para pagar essa despesa no suborçamento residual que lhe resta. Esses lobbies são o que chamei de os “donos do Orçamento”.
Usando dados mais recentes, obviamente afetados pela recessão, no Rio, campeão da desgraça federativa, como se vê no Balanço de 2016, praticamente 78% da receita corrente relevante foram abocanhados por todos esses itens. Para um orçamento residual de 22% da receita, o Rio gastou 49% do mesmo referencial com previdência (28%) e com os demais gastos da parcela discricionária (infraestrutura e demais secretarias, 21%). Resultado: um buraco de 27%, sem considerar “receitas de capital” residuais.
Em Minas, o subtotal dos “donos” cai para 64% (Balanço de 2015), mas a situação é quase igualmente caótica, pois o orçamento residual mínimo foi de 52%. Daí um buraco análogo de 16% da receita.
Note-se que esses buracos vêm sendo meramente empurrados para a frente, com os estados parando de pagar alguns itens, a exemplo do 13º salário, como fez o Rio em 2016. Instala-se o caos em algumas áreas, mas aparece um resultado agregado estadual superavitário nas estatísticas do Banco Central, que é, obviamente, falso, mas aplaudido pelo Ministério da Fazenda como indicador de sucesso de sua política de ajuste.
É falso, por duas razões. Uma, porque os efeitos sobre as áreas afetadas são terríveis (no Rio, um exemplo de hoje é a ocorrência de três mortes diárias em média por bala perdida). E duas, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que os governantes zerem essa conta nos últimos anos de mandato, sob pena de sanções duras. Ou seja, a esta altura, sem um apoio adequado por parte das autoridades federais, os governadores devem estar com os cabelos em pé para saber como vão escapar no fim do ano de 2018.
Por que a situação do Rio é tão ruim? Há excesso de gasto de pessoal em vários segmentos, sim, mas muito pouca margem para o governador atuar. E, do lado da receita, uma catástrofe. Em 2016, a receita líquida de royalties do petróleo foi menor em R$ 7 bilhões que a de 2013. Adicione-se a isso o efeito geral da recessão e do próprio achatamento do setor petrolífero estadual sobre a arrecadação de ICMS e outros tributos.
Não há espaço para entrar no detalhe do acordo de “recuperação fiscal” que o Rio, o único que deverá aderir a esse esquema, assinou com a União e acaba de aprovar, na Alerj, a última exigência prevista no programa. Na situação desesperadora em que estava, qualquer acordo seria melhor do que nenhum.
Conforme mostrei em textos apresentados aos dois últimos Fóruns Nacionais (www.inae.org.br), juntamente como o colega Leonardo Rolim, o equacionamento do passivo atuarial junto com a reforma de regras previdenciárias a cargo da União é a saída que ataca simultaneamente os problemas estruturais e conjunturais. Trata-se do que determina o próprio artigo 40 (além de outros itens da Constituição Federal), que manda o setor público equacionar seus passivos previdenciários mediante a constituição de fundos para onde se destinariam todas as receitas possíveis, inclusive envolvendo securitização de ativos e recebíveis em geral.
Ao final, se fecharia a conta pelo aumento de contribuições tanto do empregado como do empregador. Outro ponto importante é “desvincular” parte das receitas dos “donos do Orçamento”, redirecionando essa parcela para ajudar no pagamento da conta de inativos e pensionistas. Mas o Ministério da Fazenda preferiu uma meia-sola arriscada que está sendo testada no Rio. A propósito, Minas, que disse não pretender aderir ao programa federal, acaba de aprovar em sua assembleia a constituição de vários fundos que vão na mesma direção do que propus no Fórum.
Espero que haja espaço e tempo para o novo presidente do BNDES, o reconhecidamente brilhante Paulo Rabello de Castro, que já se dedicou a soluções de problemas similares mediante uma bem concebida gestão de ativos, entre nessa guerra e logre resultados positivos, capazes de ajudar o país a sair da atual enrascada.
Fonte: “O Globo”, 10/07/2017
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